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A luz de Hannah Arendt no horror do nacionalismo

Do IHU, 25 Outubro 2023
Por Nadia Urbinati


"Era o paradigma do Estado-nação e da cidadania no modelo francês o problema sobre o qual Arendt convidava os seus contemporâneos judeus a refletirem, do qual na sua opinião derivou o imperialismo e os monstros do século XX, o antissemitismo e o totalitarismo".

O artigo é de Nadia Urbinati, cientista política italiana, publicado por Domani, 23-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Por que ler Hannah Arendt é importante neste tempo que mostra todo o horror do nacionalismo? É importante, porque explorar projetos diferentes daquele que prega “uma nação, um estado” é vital. O Hamas e Netanyahu cultivam planos especulares (independentemente do poder que cada um possui para alcançá-los): libertar o território dos “outros”. Expulsar e uniformizar. Trata-se de um plano coerente com a ideologia nacionalista da qual transborda parte do sionismo, com a integração de uma leitura religiosa da identificação entre Estado e nação. Era esse é o risco mortal intuído com extraordinária lucidez por Arendt, a “indesejada”, aquela que, disse Jonathan Graubart, da Universidade de San Diego, em uma conferência recente, nunca escondeu a sua profunda desconfiança pelas potencialidades negativas do sionismo e por essa razão ficou sendo uma “pária” entre os judeus.

A filósofa judia Hannah Arendt. (Foto: Reprodução | Facebook de Jorge Furtado)

Deve ser dito que a posição de Arendt sobre a questão entre Israel e Palestina não permaneceu inalterada no tempo. Ela de imediato se opôs à criação de um estado nacional judeu na Palestina; durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, também se manifestou contra a criação de um Estado binacional árabe-judeu. Rejeitando ambas as alternativas, Arendt argumentou a favor da inclusão da Palestina numa federação multiétnica que não fosse composta apenas por judeus e árabes. Somente em 1948, na tentativa de evitar a divisão, Arendt reviu a sua crítica anterior e aprovou uma solução binacional para a Palestina. Mas a sua crítica ao Estado-nação permaneceu. E isso a tornou apreciada por sua ampla visão e ao mesmo tempo detestada pelos conservadores de Israel como a mãe da "israelofobia".

Como Simona Forti mostrou, Arendt teve intuições e produziu análises extraordinárias sobre nacionalismo, federalismo, natalidade política, imperialismo e racismo, resultado de seus estudos sobre a experiência judaica moderna na Europa e sobre o projeto sionista.

Desenvolvido no final do século XIX em resposta ao antissemitismo nos países do Leste da Europa, o projeto sionista era complexo e inicialmente previa não um estado, mas uma "casa judaica" com a aquisição de terras por um fundo nacional judaico para criar colônias agrícolas nas quais os judeus europeus pudessem viver com dignidade. Arendt apoiou esses começos, diríamos que esta “natalidade” pré-estatal, como os kibutzim.

Ela, portanto, entendeu as promessas do sionismo, mas imediatamente vislumbrou seus perigos.

Era o paradigma do Estado-nação e da cidadania no modelo francês o problema sobre o qual Arendt convidava os seus contemporâneos judeus a refletirem, do qual na sua opinião derivou o imperialismo e os monstros do século XX, o antissemitismo e o totalitarismo, como mostrou Michele Battini.

Levando a sério as promessas de emancipação e dignidade do sionismo, Arendt pensava que o movimento deveria libertar-se de duas das suas patologias: a convicção no antissemitismo eterno e a atração por um nacionalismo "tribal".

Hoje essas suas reflexões são como uma luz no horror produzido pelo nacionalismo. Sim, Arendt tinha razão em acreditar que era necessário buscar diferentes formas de vida coletiva, como o federalismo, por exemplo; ela pensava que o legado mais importante da Revolução Americana fosse a renúncia ao nacionalismo centrado no Estado para manter unido o autogoverno das comunidades locais com as instituições federais.

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