Do A Terra É Redonda, 27 de Maio 2023
Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*
Homenagem à cantora recém-felecida
Pagu
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas a minha cobra
Minha força não é bruta
Não sou freira, nem sou puta
Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Fama de porra louca, tudo bem
Minha mãe é Maria ninguém
Não sou atriz, modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Nessa canção de Rita Lee e Zélia Duncan, que também é uma declaração de princípios, vai a demolição clichê por clichê do machismo a par com o conformismo.
A compositora e cantora não tinha papas na língua e dizia as coisas mais ultrajantes com um ar cândido. Doce garota de olhos miosótis, era um furacão. Feminista sempre alerta e avessa ao proselitismo, dava o exemplo e caprichava nos gestos cheios de verve. Quem mais ousaria chamar o câncer que a estava matando de “Jair”?
Antes de mais nada, uma libertária. Era a favor das experiências e nunca negou sua atração pelas drogas, pelo álcool e pelo sexo. Grande trabalhadora, passou a vida apostando em Eros, na alegria, na festa. A Rainha do Rock era uma dionisíaca sem remorsos.
Tente ouvir uma gravação dela sem ficar tomado: o corpo começa a vibrar e a se embalar, em uníssono com a pulsação das cordas e o ribombar da percussão.
Ela sabia que tinha uma voz pequena e às vezes precisava gravar por cima da primeira gravação. Mas seu forte não era a voz, era o balanço inimitável, a graça, a capacidade de fazer-se palhaça. Uma certa inocência – numa mulher tão vivida – transparecia no cunho infantil que sobrenadava de muitas de suas composições. Campeã absoluta em vendagem de discos, nisso sobrepujou todas as cantoras do país. E como performer era ímpar: fazia imitações e criava personagens bufos.
Pagou o preço da independência e da irreverência, e muitas vezes. Foi presa pela ditadura militar, por porte de maconha. Ficou meses na cadeia e recebeu a visita de Elis Regina, que lutou por sua libertação. Elis lhe daria a filha Maria Rita por afilhada e xará, enquanto Rita dedicaria a ela a canção “Doce de pimenta”, alusiva ao apelido de Elis, a Pimentinha. Na missa de sétimo dia desta, na Igreja do Perpétuo Socorro em São Paulo, apenas Rita Lee e o irmão da gaúcha leram os textos litúrgicos.
Além de jogá-la na masmorra, a ditadura encarniçou-se contra ela, mutilando e censurando suas canções. Um exemplo é o verso que consta do laudo oficial do negregado órgão que tanto dano causou às artes por 20 anos. “Me deixa de quatro no ato” acarretou a proibição de Lança-perfume, cujo título é clara metáfora substituindo o erótico pelo entorpecente. O laudo do censor justifica a proibição, acusando o verso, tão gráfico, de “ambiguidade”. Que ambiguidade? Pura denotação, de sentido unívoco.
Uma delícia sua autobiografia, franca e de coração aberto, onde faz as confissões mais descabeladas – e consegue cativar duplamente o fã, tal o jeito singelo com que enuncia as piores revelações. Já era escritora de livros infantis, mas agora se anuncia o segundo volume da autobiografia, aguardado com ansiedade.
Seu interesse por Pagu decorre de tudo o que fazia dela uma libertária, uma feminista, uma pessoa alegre, cheia de vitalidade e senso de humor.
Seria de esperar que o empenho político militante e o trânsito nas esferas rarefeitas dos artistas modernistas, próprios de Pagu, a tornariam avessa a Rita Lee, com quem aparentemente nada tinha em comum. Ledo engano. Rita assumiu a similaridade e a expressou nessa bela canção, uma homenagem compreensiva, mostrando que entendeu perfeitamente a trajetória de Pagu.
Quando indagada sobre ser o ambiente do rock brasileiro uma selva em que para sobreviver é preciso ter culhões, ela declarou que isso não bastava, mais que isso é preciso ter ovários.
Mulher sábia, mulher plena, transgressora e grande artista, de rara inteligência e originalidade única. Vai aqui para ela um poema, um haicai da autoria de Ilka Brunilde Laurito, à guisa de epitáfio:
Vitória da Samotrácia
Que mulher sensata
Perdeu a cabeça
Mas ficou com as asas
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Sesc\Ouro sobre Azul).
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.
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