Sedi Hirano escreve sobre "As origens da sociologia do trabalho", de Ricardo Festi: "Uma forma singular de construir, interpretar e reinterpretar, por meio da autorreflexão, os cientistas sociais e suas obras, especificando de forma opcional a criação, o desenvolvimento e os debates da sociologia do trabalho na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil."
Do Blog da Boitempo, 1 de maio 2023 Por Sedi Hirano
As origens da sociologia: percursos cruzados entre Brasil e França analisa os fundamentos sociais de um pensamento capaz de hegemonizar uma comunidade científica, em um determinado período histórico (1940-1960), com uma forma singular de construir, interpretar e reinterpretar, por meio da autorreflexão, os cientistas sociais e suas obras, especificando de forma opcional a criação, o desenvolvimento e os debates da sociologia do trabalho na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil.
O conceito de hegemonia, em sua potência, exerce sobre os demais conceitos uma preeminência de cunho militar e também, frequentemente, de forte marca econômica, cultural e social, inspirando e condicionando as opções, tanto por sua força de prestígio quanto por seu elevado poder de divulgação e até de coerção. E chega a constituir um modelo para as comunidades em processo de construção de sua hegemonia. Esse conceito não é, portanto, somente jurídico de direito público, ou de direito internacional, mas pode ser um domínio fundador de uma força baseada na razão de um Estado, de uma classe social ou de grupos intelectuais.
Assim, a hegemonia pode se constituir como uma forma de poder para produzir “consenso” dentro de uma comunidade científica, como foi o caso da construção do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Dessa forma, finalmente a hegemonia é, ou pode ser, acima de tudo, a capacidade de direção intelectual, moral e científica, como no caso de um grupo de pesquisa científica.
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Fruto da tese de doutorado do professor e pesquisador Ricardo Festi, As origens da sociologia do trabalho vem preencher uma lacuna importante nos estudos sociológicos brasileiros. Com base em uma longa e aprofundada pesquisa em arquivos dos dois países, Festi reconstrói as relações acadêmicas entre brasileiros e franceses, descrevendo o surgimento e o desenvolvimento da disciplina nos anos 1950 e 1960. Com uma série de achados em arquivos há muito esquecidos e de difícil acesso ao grande público, o autor traz para a obra estudos e entrevistas com sociólogos da França e do Brasil que se revelaram fundamentais para essa área do conhecimento.
Do lado francês, Festi analisa o grupo de acadêmicos que se constituiu em torno de Georges Friedmann, um dos responsáveis por reorganizar a sociologia no período de reconstrução da França após sua libertação da ocupação nazista. Nesse processo, novas instituições de ensino e pesquisa foram criadas, rompendo com as tradicionais e conservadoras estruturas universitárias, permitindo maior autonomia e flexibilidade para os pesquisadores, assim como o desenvolvimento das carreiras de jovens acadêmicos, como foi o caso de Alain Touraine, personagem central para este livro, de Jean-Daniel Reynaud e de Michel Crozier. Já no Brasil, o autor destaca o trabalho produzido pelos sociólogos da Universidade de São Paulo, como Wagner Vieira da Cunha, Juarez Brandão Lopes, Azis Simão, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
“Por meio de pesquisa rigorosa, Ricardo Festi nos oferece um pioneiro e denso estudo das origens da sociologia do trabalho no Brasil. Foi desse empreendimento intelectual que, em 1961, na USP, com a contribuição de Florestan Fernandes, nasceu o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), fruto do esforço de vários pesquisadores da sociologia do trabalho brasileira e francesa. Com este livro, uma importante lacuna na história da sociologia do trabalho no Brasil está sendo finalmente preenchida.” – Ricardo Antunes
“O que a sociologia do trabalho informa de suas origens no Brasil e dos caminhos percorridos nas relações estabelecidas com a França? Responder a essas perguntas foi o desafio enfrentado por Ricardo Festi ao estudar a relação multilateral entre dois países à procura da modernização industrial e capitalista. O autor mergulhou nos arquivos e procurou contextualizar as bases materiais sobre as quais a utopia da organização capitalista orientou a criação de um campo de conhecimento por intelectuais franceses e brasileiros, em seus percursos cruzados na visão de mundo da modernização capitalista, nas décadas de 1950 e 1960. Uma leitura obrigatória para todos que se interessam pela origem e pelo presente da sociologia do trabalho no Brasil.” – Liliana Segnini
*** Sedi Hirano é professor emérito da Universidade de São Paulo.
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Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.
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