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Paulo Arantes e a brasilianização do mundo

Brasil, país do futuro? Sim, mas não como se pensava. Filósofo aponta que, no neoliberalismo, mundo tornou-se um grande Brasil – universalizou-se a ordem social brutalmente racializada e desigual que nos era peculiar. Sortearemos 2 exemplares do livro



Do BLOGDAREDAÇÃO, 03 de Março 2023
Por Guilherme Arruda



Os países centrais não parecem mais conseguir se livrar das múltiplas crises em que se meteram desde 2008. Com isso, vem ganhando força a imagem de um Primeiro Mundo que cada vez mais se espelha na autoritária, desigual e racista estrutura social do… Brasil. A mundialização da forma brasileira de explorar e oprimir. Mais recentemente, essa imagem apareceu em ensaios como The Brazilianization of the World, publicado por Alex Hochuli (dono, por sinal, do ótimo podcastAufhebunga Bunga) na American Affairs e comentado até pela grande mídia nacional. Apareceu também em um meme bastante replicado por aí.

A origem dessa ideia, porém, é um pouco anterior. Sua aparição mais instigante na crítica nacional aconteceu em A fratura brasileira do mundo – visões do laboratório brasileiro da mundialização, ensaio de Paulo Arantes agora relançado pela Editora 34. Publicado originalmente em 2001, em coletânea organizada por nosso colaborador José Luís Fiori, o texto retorna agora em edição própria, com posfácio do professor de filosofia da UFRJ Marildo Menegat.

Operando nas disjuntivas exploradas por Roberto Schwarz em seus escritos sobre a formação nacional e antes ainda por outros autores, o professor de Filosofia da USP observa: durante todo o século XX, a consigna “Brasil, país do futuro” hegemonizou nosso imaginário político, se orientando por noções de desenvolvimento, prosperidade e bem-estar que inevitavelmente chegariam até o nosso berço esplêndido por razões assentadas em umas ou outras características de nossa sociedade. Da direita à esquerda, de Gilberto Freyre a Celso Furtado, encontram-se traços dessa esperança no devir nacional.

Ironicamente, o futuro era mesmo da pátria, mas em outro sentido. O mundo é que acabou por “tornar-se um imenso Brasil”, para parafrasear Ruy Guerra e Chico Buarque. Ou, pelo menos, é esta a interpretação de cada vez mais intelectuais e acadêmicos. Arantes mapeia os caminhos dessa tese, que dos anos 90 em diante (não por coincidência, tempo da vitória “final” do neoliberalismo sobre o socialismo e outros projetos alternativos de sociedade) vai ganhando cada vez mais audiência.

A partir do advento da era neoliberal, Edward Luttwak, Michael Lind, Christopher Lasch e Richard Rorty e vários outros começaram a notar os sinais: uma elite inculta e sem projeto estratégico, que paulatinamente se isola do resto da sociedade; a míngua das classes médias, cada vez menos numerosas e mais inseguras de sua posição social; a crescente massa, majoritariamente não-branca, que vive em amarga pobreza; a imobilidade social, que cruza critérios de raça e classe, sustentada por extrema violência. Os rasgos de Brasil chegavam ao centro do Ocidente. A maior parte dos adeptos da tese da brasilianização provinha dos Estados Unidos, já à época mais afetado que a Europa pelo fenômeno – principalmente desde Reagan –, ainda que europeus como Ulrich Beck também tenham se servido da ideia.

Outras Palavras e Editora 34 sortearão dois exemplares de A fratura brasileira do mundo – visões do laboratório brasileiro da mundialização, de Paulo Arantes, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 9/3, às 14h. Quem é Outros Quinhentos tem 30% de desconto no site da editora.

Se um segmento do pensamento modernizante entendia o Brasil como um país atrasado, aqui já se percebe que o Brasil está mesmo bem adiante. Sua formação econômico-social precedeu as sendas que todas as nações viriam a trilhar séculos depois. Arantes recorre às pertinentes observações de Caio Prado Júnior sobre o sentido da colonização. Nem feudal nem semifeudal, o Brasil Colônia é um exemplo precoce de sociedade cuja lógica de funcionamento é inteiramente voltada para o mercado mundial. O capitalismo nasceu aqui, na terra das ideias fora do lugar, dos argumentos liberais de intelectuais-senhores-de-engenho em favor da manutenção de milhões na condição de escravos, e esta face do sistema agora se espalha por todos os continentes.

Empilhando contradições, o fenômeno de abrasileiramento (e, portanto, aprofundamento das desigualdades) da estrutura social do mundo veio na mochila de uma reorganização sistêmica que prometia riqueza para todos. A grande falsa promessa do neoliberalismo foi a “primeiro-mundização” dos pobres e subdesenvolvidos de todas as regiões do planeta.

Como ficam agora os italianos, que de Silvio Berlusconi em diante foram de mal a pior? E os estadunidenses, que, não achando Reagan o bastante, elegeram Trump? E os demais pujantes e fortes Estados-símbolo da superioridade ocidental, todos cada vez mais economicamente estagnados, desindustrializados, com o tecido social esgarçado e presos em modelos políticos comprometidos até a medula com o privilégio dos poucos ricos e a submissão dos muitos pobres? Vendo daqui do laboratório desta mundialização cruel, os problemas que eles enfrentam no Norte parecem, em certa medida, bem reconhecíveis.

Instigante desde sua primeira publicação, o ensaio de Paulo Arantes é cada vez mais relevante – e, por isso, a reedição feita pela Editora 34 chega em boa hora, subsidiando as reflexões dos que buscam destrinchar e combater os problemas sistêmicos que avultam. De 2001 para 2023, certas questões discutidas no texto só se aprofundaram – ainda que, em outras, começamos a encontrar saídas –, e sua leitura, combinada com a de outros analistas contemporâneos dos descaminhos do capitalismo, pode ser bem frutífera.

Sortearemos dois exemplares de A fratura brasileira do mundo – visões do laboratório brasileiro da mundialização, de Paulo Arantes, entre os apoiadores do jornalismo de Outras Palavras. A atividade é organizada em parceria com a Editora 34, que relançou a obra no início desse ano.

O formulário de participação no sorteio será enviado por e-mail para todos os nossos leitores que colaboram com nosso trabalho em apoia.se/outraspalavras. As inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 9/3, às 14h.

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GUILHERME ARRUDA
Redator do projeto Outros Quinhentos. Historiador pela Universidade de São Paulo (USP). No jornalismo, já colaborou com veículos como Carta Maior e Vermelho. Na pesquisa, estuda a formação das nações latino-americanas no século XIX. Na educação, constrói a Escola Nacional Eliana Silva, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

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