Pages

Fibrose cística e o drama do monopólio de fármacos

A vida de milhares de pacientes está nas mãos de uma única farmacêutica que produz remédio revolucionário. Mas o Brasil poderia iniciar o licenciamento compulsório para garantir seu acesso mais barato ao SUS. Daremos esse passo?



De OUTRASAÚDE, 14 de Fevereiro 2023
por Gabriela Leite


Raphaelle Pereira, de Curitiba. Sua família teve que vender diversos bens, pegar empréstimos e fazer campanhas de arrecadação para conseguir comprar duas caixas do Trikafta e onze caixas
do Trixacar, uma versão genérica produzida na Argentina. Foto: Dado Galdieri/New York Times

Um medicamento capaz de revolucionar o tratamento da fibrose cística, doença genética grave que afeta principalmente os pulmões e o sistema digestivo, tem sido destaque na mídia mundial. O Trikafta, desenvolvido pela empresa Vertex Pharmaceuticals, foi aprovado pela FDA, agência regulatória de saúde dos Estados Unidos, em 2019 e tem apresentado resultados impressionantes no tratamento da doença. A melhora das condições de vida dos pacientes foi tema de matéria do NY Times. Mas o jornal norte-americano chama a atenção para a falta de acesso ao Trikafta em países do Sul Global.

O medicamento combina três drogas que visam corrigir a função da proteína CFTR, responsável por transportar íons de cloro nas células. Em pacientes com fibrose cística, a proteína não funciona corretamente, o que leva a um acúmulo de muco nas vias aéreas e no trato digestivo. No entanto, apesar da eficácia do Trikafta, seu alto custo tem gerado preocupação entre os pacientes e seus familiares – a doença acomete principalmente pessoas com até 18 anos, e muitos não conseguem sobreviver a essa idade. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, o medicamento chega a custar R$ 880 mil por ano no Brasil.

Em carta enviada há alguns dias a Nísia Trindade, ministra da Saúde, 34 associações de pacientes de fibrose cística e grupos da sociedade civil pedem uma ação urgente do Governo Federal. Eles fazem um apelo para que o ministério declare interesse público do medicamento Trikafta – tal medida “dará inicio ao processo de licenciamento compulsório das patentes que hoje impedem a importação ou fabricação nacional de versões genéricas do Trikafta e demais medicamentos. A concorrência é considerada por especialistas do setor como um elemento fundamental para que a empresa Vertex, titular das patentes, reduza os preços cobrados no Brasil”, afirma a carta.

Atualmente, o medicamento está sob avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), vinculada ao ministério da Saúde. Mas a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) já estima que o preço para o SUS do Trikafta, nas condições atuais, deverá ser de R$ 888.174,43 por tratamento, por ano. Não estamos pedindo apenas a redução de preço, pedimos acesso a universal para que todos possam ser tratados. Não cabe à indústria farmacêutica decidir quem vive e quem morre para maximizar seus lucros. Nesse tipo de situação, a licença compulsória é a politica pública mais adequada para proteger a saúde da população.”, afirma Susana Van der Ploeg, advogada do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI).A fibrose cística afeta cerca de 70 mil pessoas em todo o mundo, e é uma das doenças genéticas mais comuns em populações caucasianas. No Brasil, estima-se que haja cerca de 6.600 pacientes com a doença. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) tem se manifestado a favor do acesso ao tratamento com o Trikafta, destacando a importância de se garantir o acesso a medicamentos de qualidade para os pacientes com fibrose cística.

Nenhum comentário:

Postar um comentário