Do Blog da Boitempo. 5 de Outubro 2022
Por Jones Manoel
Jodi Dean, pensadora e militante comunista, tem uma obra inovadora. Produz um marxismo com capacidade de responder a novos fenômenos e relações que surgem no capitalismo e na luta de classes. Multidões e partido é um belo exemplo dessa competência.
A crise do partido como forma de mobilização, forjada ao fim do século XIX e dominante em boa parte do século XX, é inegável – no neoliberalismo, por exemplo, o movimento operário e popular enfrenta profunda dificuldade organizativa. Ao mesmo tempo, as alternativas à forma partido, em especial ao “modelo leninista”, não se mostram satisfatórias quando se trata de enfrentar os desafios da luta pela emancipação.
Em Multidões e partido, não é o retorno a formas organizativas passadas que se apresenta como solução aos dilemas atuais. Abre-se um debate sobre os limites das estruturas organizativas em moda, sobre a relação entre o indivíduo e a coletividade, a multidão e a luta de classes, tudo isso permeado pelo questionamento de quem poderíamos ser e vir a ser como partido revolucionário internacional em nosso tempo. Ou seja, Jodi Dean pensa a base para “uma nova teoria do partido comunista”.
Não vemos aqui o partido de forma institucional, tampouco o debate se dá em termos psicodinâmicos, inquirindo sobre a função e o propósito do partido comunista. Não vemos a multidão como a negação do ser de classe. Não há apologia da horizontalidade abstrata.
A multidão é tratada pela autora com concretude histórica, considerando suas potencialidades e seus limites. O leitor tem em mãos um caso raro na literatura crítica contemporânea, que o instigará a pensar não apenas no que fazer, mas também em como fazer. Existe uma música da banda Nação Zumbi que passa a ideia de que organizando podemos desorganizar, e é com isso em mente que penso que Multidões e partido chega ao Brasil no momento ideal: nunca precisamos tanto pensar a forma política de um desejo de ser coletivo que se transforme em ação para a conquista do poder político, isto é, a revolução!

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Como agrupamentos de pessoas viram movimentos organizados? Rejeitando a ênfase em indivíduos e multiplicidades, Multidões e partido reitera a necessidade de repensar o sujeito coletivo da política e demonstra a importância de ver o partido enquanto organização capaz de revigorar a prática política.
Partindo de exemplos como o Occupy Wall Street, Jodi Dean destaca uma contradição interna desses movimentos: o individualismo de correntes ideológicas democráticas, anarquistas e horizontalistas acaba por minar o poder coletivo que de início se almejava. Citando outros acontecimentos da mesma época, a autora argumenta que discussões anteriores deixaram de considerar as dimensões afetivas da forma partido, bem como a maneira pela qual esta viabiliza a formação de vínculos entre as pessoas: “A celebração da individualidade autônoma nos impede de colocar em primeiro plano o que temos em comum e, assim, nos organizar politicamente”, escreve.
Ensaio sintético com recorte e análise bastante originais, reabilita tradição e prática comunistas clássicas sem apelo a tradicionalismo ou nostalgia, mobilizando linguagem, abordagem e arcabouço teórico ancorados na atualidade política e na filosofia e teoria social contemporâneas.
Multidões e partido, de Jodi Dean, tem tradução de Artur Renzo, texto de orelha de Jones Manoel e capa de Camila Nakazone, a partir de projeto de Porto Rocha & No Ideas.
“Um argumento poderoso: os movimentos políticos precisam ir além da expressão imediata (a multidão) e abraçar a organização de longo prazo (o partido).”
— Matt Ray
“Neste livro envolvente, Jodi Dean demonstra que, ao contrário do que aponta o clichê neoanarquista, a organização partidária e a luta de classes de forma alguma são fenômenos ultrapassados. O renascimento do partido político viabilizou uma onda de entusiasmo na política de esquerda contemporânea – um entusiasmo que Multidões e partido explica e instiga.”
— Mark Fisher
“Aqui Jodi Dean rejeita o investimento no indivíduo ou no coletivo per se e incentiva um novo e mais subversivo sujeito coletivo na política. Abordando desde multidões reais, como o movimento Occupy, até teorias consolidadas sobre o assunto, a autora questiona o papel da multidão e do partido como organização na tentativa de iluminar um caminho político.”
— Alfie Bown
Hoje (05/10), às 17h, não perca o debate de lançamento antecipado de Multidões e partido, de Jodi Dean, com Jones Manoel, Juliane Furno e Vladimir Safatle, mediação de Bárbara Krauss, na TV Boitempo:
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