Do Conjur, 5 de maio de 2022,
Por Lenio Luiz Streck
Arnóbio Rocha escreve belo texto denunciando o mundo fake (ver aqui). O articulista utiliza o recente caso do McDonald's, que cinicamente respondeu que o McPicanha não era de picanha, mas o molho dava a impressão da experiência do gosto de picanha. Foi obrigado a retirar do cardápio, mas não deve demorar para "repaginar" o sanduíche que era vendido a preço absurdo e com um "toque de chef, gourmet".
Como é possível que alguém engane o consumidor a esse ponto? Claro que é possível. Trata-se de um mundo fake, diz Arnóbio. Correto. E fica chique com um toque do chef.
Há décadas venho falando do direito fast food. Talvez eu tenha sido o primeiro a denunciar esse modelo, que Warat, antes de mim, chamava de direito prêt-à-porter. A famosa mcdonaldização. Que foi sendo aperfeiçoada com TikTok, visual law e coisas do gênero. E vem mais por aí.
No direito vende-se direito que não é direito. McPicanha... que não é de picanha. Não contém picanha. Direito sem direito. Direito só com molho de direito — claro, com um toque do chef.
Fast food jurídico é mcdonaldização. Tudo rápido. Curtinho. Não escreva nada que tenha muitas linhas. E, é claro, desenhe. Mas não é mais direito... E daí? Tem molho à moda do chef.
O resultado da jusmcdonaldização? Comunidade jurídica mal alimentada. Obesa. Como não há picanha, só o cheirinho, só o molho, no direito ocorre algo parecido. Como não há direito no direito, o sujeito se forma reacionário, para dizer o menos. E usa o direito para levar adiante esse reacionarismo.
Vejam um bom exemplo de direito sem direito: não posso afirmar que a estatística ainda vale, porém lembro que, durante nossa luta pela presunção da inocência, 63% da comunidade jurídica era contra as ADCs 43, 44 e 54 (que buscavam a alteração da posição do STF). Ou seja: 63% das gentes formadas em direito eram contra a garantia constitucional da presunção da inocência. A maioria da área do direito era contra o direito.
Agora, o ódio e o rancor voltam. Não seria desarrazoado dizer que esse mesmo percentual de 63% agora acha que o presidente da República pode tudo (e todos os dias), chamando ministros do STF de canalhas e afrontando o Poder Judiciário com um decreto de indulto mcdonaldizado. A parcela da área jurídica que defende o presidente e defende esse ato de indulto acredita que o decreto dispensa qualquer fundamentação que diga respeito ao interesse público e à moralidade. Afinal, como disse um articulista (tem gente buscando fundamento no originalismo norte-americano), é um ato do príncipe.
Até juristas que, em 2016 diziam, com veemência, que Dilma não podia nomear qualquer um para ministro (por exemplo, a nomeação de Lula anulada pelo STF), agora dizem que "presidente pode tudo". É o que eu chamo de "anarco-textualismo", que, por vezes, vira "anarco-voluntarismo".
O pano de fundo: a liberdade de expressão. Como disse uma autoridade não faz muito, "prefiro perder a vida do que perder a liberdade". Que liberdade? A do AI-5? McNífico, não? Ups. Por coincidência, McNífico é outro sanduíche do McDonalds.
Deixo Antônio Prata, um não-jurista, falar por mim:
"Poucas discussões estão mais mal colocadas, hoje, do que essa sobre a liberdade de expressão. Quando (i) temos bilhões de dólares e a ciência mais avançada (da matemática à psicologia) criando algoritmos que privilegiam, (ii) incentivam e propagam em escala global as opiniões mais extravagantes, chocantes e violentas; (iii) quando o resultado deste comércio desregulado de ideias é o esgarçamento do tecido social, (iv) o afunilamento do espaço público, a polarização política, as guerras culturais, (v) o crescimento vertiginoso da depressão, ansiedade e suicídio entre jovens; (vi) quando esse sambalelê civilizacional põe a democracia em risco e se fala em Guerra Civil, nos Estados Unidos, e golpe militar, no Brasil, simplesmente defender a liberdade de expressão como um princípio absoluto e pronto, acabou-se, é meter a cabeça num buraco para não ver o que se passa."
E Prata pergunta: "Qual a solução? Mudar os algoritmos? As plataformas melhorarem seus filtros e regras de conduta? Criar-se uma espécie de constituição global para as redes sociais? Não tenho ideia, mas talvez o primeiro passo seja tirar os antolhos da "liberdade de expressão über alles!" e encarar o problema." Pronto. Disse tudo.
O mundo está doente, complementa o articulista:
"(...) uma das causas da doença é a transformação da opinião em commodity e a aplicação da lei da oferta e da procura ao campo das ideias, o que faz com que quebrar a placa com o nome da vereadora assassinada eleja um deputado, mas propostas sólidas sobre educação e saúde pública, não."
E digo eu: o direito adoeceu. As ofensas (liberdade de expressão über alles) em redes sociais e aqui mesmo no ConJur (está cada vez mais difícil ziguezaguear no entremeio dos palavrões, ataques e nesciedades) demonstram exatamente isso que digo. Pior: gente escondida atrás de apelidos. Imaginem no Twitter.
Pior de tudo é que o mote principal é exatamente aquilo que se faz todos os dias: em nome da liberdade de expressão está a liberdade de agressão. Das mais abjetas.
Por isso,
(i) Quando defender a tese de que se-pode-tudo
(ii) Quando incentivar, aos histéricos berros, que a Suprema Corte deva ser invadida e que cabeças de ministros devam ser quebradas
(iii) Quando se diz que tudo isso faz parte da liberdade de expressão e quando essa defesa de "liberdade über alles" é feita por gente do direito,
...é porque rotundamente fracassamos.
Na verdade, de há muito chovia na serra... e todos foram comer um McPicanha... sem picanha.
Mas com um toque do Chef
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.
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