Do Conjur, 16 de dezembro de 2021
Por Lenio Luiz Streck
1. Juiz julga mal e a culpa é do Tribunal?
Já é de uso comum a metafórica resposta do assessor de Clinton, afirmando-lhe as razões pelas quais venceria as eleições: "É a economia, estúpido!"
Como todo mundo usa a expressão para explicar muitas coisas óbvias, uso-a aqui para esclarecer uma questão jurídica-civilizatória para néscios, oportunistas, mal-intencionados e cínicos (são os que sabem que mentem e continuam a mentir sobre o tema).
Depois das anulações de processos por crassos erros cometidos por juízes mal preparados e parciais como Moro, secundados por procuradores conluiadores como Dallagnol, virou moda bradar pelo fim do processo e das garantias. É chique criticar tribunais. Até mesmo tribunais criticam os tribunais.
2. As novas seitas (típicas) antijurídicas (e culpáveis!)
Alguns são mais explícitos como os sardenberguianos (é uma seita que bate todos os dias na tecla de que a Lava Jato foi a coisa melhor que já aconteceu no país e louva as ilicitudes cometidas); já outros buscam fazer alegorias como "anularam processos judiciais por filigranas" — fazem parte da seita "filigraneiros dos (santos dos) últimos dias”.
Em comum nos discursos de ambas as seitas: o processo — e consequentemente o seu conteúdo, as garantias constitucionais — atrapalha a "boa justiça". Claro, a "boa justiça" feita por "bons juízes". Bons para quem? Em resposta, chamo o psicanalista Agostinho Ramalho, para dizer "Deus me livre da bondade dos bons".
A seita dos "filigraneiros dos (santos dos) últimos dias" apoiou fortemente o projeto das 10 Medidas, que exterminava com o habeas corpus e institucionalizava o uso da prova ilícita de "boa fé". Pelo projeto, valia de tudo — desde que o torturador (por exemplo) estivesse de boa-fé.
3. "Matem todos; Deus saberá escolher os seus": eis o lema do bom filigraneiro
Claro, óbvio: garantias como proibição de prova ilícita, obrigação de ser imparcial, garantia de juiz natural e do direito da aplicação da prescrição são "coisas dispensáveis". Afinal, um "bom juiz", mesmo que parcial, incompetente, saberá fazer a separação do joio do trigo. Algo como as palavras ditas pelo abade Arnoldo de Amaury, determinando a aniquilação total dos cátaros que se escondiam na fortaleza de Béziers, no Languedoc, em julho de 1209. É que dentre eles havia cristãos. Eram as cruzadas do papa Inocêncio 3º (1161-1216). Matem todos; Deus saberá escolher os seus!
Os cátaros eram dissidentes. Considerados hereges, não "rezavam" pela cartilha da Igreja. Eu sou, então, na cartilha dos "filigraneiros dos santos dos últimos dias", um herege processual.
Sim, em vez de dependermos de garantias processuais, os adeptos das diversas seitas sustentam que devemos depender do juiz Magnot. Que pode se transformar no Juiz Ilich, no Azdak e assim por diante. Quem garante? "Deus saberá escolher?"
4. Os gregos e os processualistas eram (ou são) burros?
Para os sardenberguianos e filigraneiros dos últimos dias, o bom direito não precisa dessas amarras. Claro, para eles, os gregos eram burros. Todos os juristas de escol que dedicaram vidas para estudar o processo são idiotas. Inteligentes, mesmo, são os defensores da tese "os fins justificam os meios".
Sugiro tese de doutorado que pode ser orientada por algum professor que acredita que a anulação de processo por vicio processual é filigrana. Título: "Por uma epistemologia das filigranas jurídicas: de como filigranas no dos outros é colírio". Dá prêmio Capes.
Assim, em vez de criticarem os maus juízes que desrespeitam garantias processuais, os adeptos das seitas matam o mensageiro. Atacam os tribunais que anulam processos mal feitos.
5. De como os causídicos dos filigraneiros deveriam ser proibidos de usarem "filigranas"
Já mostrei aqui que grandes empresas jornalísticas (por exemplo), nos quais trabalham muitos dos adeptos das seitas acima nominadas, são useiras e vezeiras de usarem "filigranas". Evidente que, nesse caso, a favor deles, não são filigranas. São direitos.
Ah, bom. Vamos fazer assim: todas as defesas nos processos movidos contra as empresas e os jornalistas que criticam garantias processuais ficam, desde já, proibidas de usar coisas como prescrição, decadência, juiz natural, juiz imparcial, prova ilícita, direito a não autoincriminação, enfim, qualquer preliminar prejudicial, nem mesmo coisa julgada. Afinal, filigranas atrapalham...
É a hipocrisia, estúpido. Ou "É o processo, estúpidos".
Conquistas civilizatórias. Leiam os clássicos. Leiam as Eumênidas (é uma peça escrita por Ésquilo — atenção: não é esquilo).
6. Até na Inquisição o processo importava e ensejava absolvição por questão formal (defeito da prova)
Por fim, como um anti charlatanismo praticante, recomendo a leitura da tese de doutorado de Alécio Nunes Fernandes — uma preciosidade — contando como era "A DEFESA DOS RÉUS: processos judiciais e práticas de justiça da Primeira Visitação do Santo Ofício ao Brasil (1591-1595)". A tese foi defendida na UnB. Um achado.
Os filigranistas de hoje, em suas diversas seitas, deveriam se inteirar. Há quase quinhentos anos o processo já era fundamental.
Que feio para os sardenberguianos e demais seitas. O sujeito, em pleno processo inquisitório (a pena era a fogueira!!!!), não entrava já condenado (como se vê muito hoje em dia — veja-se a lava jato), como conta Alécio. O processo era importante. Fazia a diferença. E, atenção: tem de ver e compreender isso no contexto de um processo inquisitorial stricto sensu.
Embora a barbárie da inquisição, também nela se anulavam processos (absolvições) por suspeições das testemunhas e dos delatores. Isso nos diz algo? Céus: as filigranas livraram muitos de morrerem torrados na fogueira. Isso não é pouco. Essas filigranas...
As aberrações
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.
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