Por Ordep Serra
Créditos da foto: (Carla Ornelas/GOVBA) |
O processo inicia-se na década de 1980, quando um escritório de Arquitetura, o TGF ARQUITETOS LTDA, alega ter elaborado projetos para ampliação de um antigo Centro de Convenções, serviços que não lhe foram solicitados nem contratados pelo governo da Bahia, mas enviados espontaneamente à empresa mista Bahiatursa (Empresa de Turismo da Bahia S. A), extinta em 2014 por efeito da Lei Estadual 13.2014/2014.
Aberto o processo na Justiça da Bahia pelo referido escritório, fez-se uma cobrança absurda que cresceu com o passar do tempo a ponto de gerar para o Estado da Bahia uma injustificável dívida de praticamente R$ 50 milhões. No ano de 2005, no Governo Paulo Souto, a Bahiatursa, empresa mista à qual se cobrava a suposta dívida, colocou em penhor o Solar da Quinta do Tanque, onde se encontra o Arquivo Público do Estado da Bahia.
O processo ficou sem movimentação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e, agora em 2021, transitou em julgado com uma sentença que determinou o leilão do imóvel, já tombado desde 1949 como patrimônio histórico nacional.
Diante dos protestos da sociedade civil, o leilão foi adiado e o juiz George Alves de Assis, da Tereira Vara Cível da Comarca de Salvador, passou a exigir que em sessenta dias a Fundação Pedro Calmon, hoje responsável pelo imóvel e pelo acervo nele contido, elabore plano de remoção dos documentos mantidos no dito Arquivo. A tarefa é inexequível, além de despropositada: segundo os especialistas, um estudo dessa monta exige o trabalho de uma grande equipe de técnicos e levaria anos para concluir-se.
Convém lembrar que por muito tempo o porto de Salvador foi o mais importante do Atlântico Sul, e notável documentação relativa ao tráfico transatlântico nessa parte do mundo se encerra no referido Arquivo.
O Governo do Estado da Bahia tem investido recursos para a conservação do acervo do APEB e recentemente obteve importante financiamento para o mesmo fim. A pretendida expropriação representaria um prejuízo incalculável para a cultura e a memória do país. A rigor, o Solar das Quintas não poderia sequer ser penhorado: O Decreto Lei Federal 25, de 1937, que instituiu o regime de preservação do Patrimônio Histórico Nacional, em seu artigo 11º prescreve que “As coisas tombadas que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só podem ser transferidas de uma a outra das referidas entidades”. O Solar da Quinta, além de suas notáveis características arquitetônicas, é também um monumento histórico de grande importância. Entre outros aspectos relevantes de sua história, dá-se que nele residiu por longo tempo o Padre Antônio Vieira, escritor mundialmente famoso, chamado pelo poeta Fernando Pessoa de “Imperador da Língua Portuguesa”.
A Academia de Letras da Bahia, a Associação Baiana de Imprensa (ABI), o Instituto dos Arquitetos do Brasil, Departamento da Bahia (IAB/BA), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil, a Associação Nacional de Pósgraduação e Pesquisa em Educação (ANPED), a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), a Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais, Koinonia, Presença Ecumênica e Serviços e várias outras entidades se reuniram para lutar contra este descalabro, vergonhoso para a Bahia e todo o Brasil, um brutal atentado contra a cultura, a história e a civilização.
Ordep Serra é antropólogo, pesquisador, professor brasileiro da Universidade Federal da Bahia
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