Da Carta Maior, 16 de Abril 2021
Por Leneide Duarte-Plon
Créditos da foto: Protesto contra o governo Bolsonaro em frente à embaixada do Brasil em Paris, em 4 de abril de 2021 (Liliane Mutti)
Quando diferentes atores se uniram à mídia, em 2016, para afastar a presidente Dilma Rousseff, num processo de impeachment sem crime de responsabilidade, abriu-se a caixa de Pandora.
Nos cinco anos que se passaram, o país não parou de correr em direção ao abismo.
Agora, o mundo está em estado de alerta para o “risco Brasil”.
O país se tornou uma prisão a céu aberto para 215 milhões de brasileiros que não têm o direito de sair do país pois se tornaram um perigo para o resto da humanidade.

Quando diferentes atores se uniram à mídia, em 2016, para afastar a presidente Dilma Rousseff, num processo de impeachment sem crime de responsabilidade, abriu-se a caixa de Pandora.
Nos cinco anos que se passaram, o país não parou de correr em direção ao abismo.
Agora, o mundo está em estado de alerta para o “risco Brasil”.
O país se tornou uma prisão a céu aberto para 215 milhões de brasileiros que não têm o direito de sair do país pois se tornaram um perigo para o resto da humanidade.

Capa do 'Libération' de 15/04 (Reprodução)
Em matéria de capa, o jornal Libération desta quinta-feira, 15 de abril, fez o relato do horror sanitário resumido na manchete « Covid-A tragédia brasileira ». O subtítulo sintetizava a matéria de quatro páginas.
« 3000 mortos por dia em média e uma gestão catastrófica da crise pelo presidente Bolsonaro: a epidemia está fora de controle no país, atingido por um variante muito virulento. Motivo de alarme para todo o planeta. »
« Suicida » é o título do editorial do Libération, que alerta para a « tragédia brasileira ». Com cerca de 4 mil mortos por dia e uma ausência de política nacional de combate à pandemia, o Brasil é visto como um suicida que deliberadamente busca a morte.
« Por trás da catástrafe nacional no Brasil há um homem, seu presidente Jair Bolsonaro, personificação extrema do populismo de direita, que consistia até poucos meses a relativizar a pandemia de Covid-19, depois a ridicularizar os portadores de máscaras e, enfim, em duvidar da urgência da vacinação », escreve o diretor de redação Dov Alfon. « E 358 mil mortos mais tarde já é tarde demais : o Brasil tornou-se um pária em nível mundial, visto como uma fábrica gigante de variantes desconhecidos dirigida por um irresponsável. »
Dov Alfon não tem medo de “chamar de gato um gato ”, como se diz em francês. Ele lembra, ainda, que o país é uma bomba-relógio e que deixá-lo sozinho não é uma opção. O editorial conclui: “O país tem certamente o potencial de superar a crise, com sua história heróica e um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Então, como ajudar um amigo que tem tendências suicidas? Com paciência, sem dúvida, mas também com muita firmeza ».
Problema para a comunidade internacional
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, entrevistado pelo jornal, diz que « hoje, o Brasil não é mais somente uma ameaça para os brasileiros : tornou-se um problema para toda a comunidade internacional ». Nicolelis pensa que a pandemia não será controlada no mundo enquanto não for controlada no Brasil.
A questão é saber se o « irresponsável » que dirige o país quer continuar a matança.
A correspondente do jornal, Chantal Rayes, fez uma viagem a Araraquara, cidade do interior de Säo Paulo. Ela relata que o prefeito Edinho da Silva, do PT, decidiu fazer um confinamento estrito de excelentes resultados. Há um mês e meio não há mortos na cidade de 240 mil habitantes. E alguns leitos de hospitais puderam ser ocupados por doentes vindos das cidades vizinhas.
« Bolsonaro sabia o que se anunciava no Brasil, poderia ter tomado iniciativas, convocado a indústria para aumentar a produção de oxigênio e de medicamentos necessários à intubação. Ele não fez nada », diz o prefeito a Libération.
Mentiras do embaixador
No dia 6 de abril, somente 2,4% dos brasileiros tinham sido vacinados com as duas doses, o que coloca o país em 56° lugar entre os que estão em campanha de vacinação.
Nada a ver com os números citados pelo embaixador brasileiro em Paris, Luis Fernando Serra, em duas entrevistas a BFMTV. Todas as informações dadas pelo embaixador eram falsas. Sobre a decisão do STF de dar aos prefeitos e governadores o poder de adotar o confinamento ou näo, ele ocultou o fato de que seu presidente sempre se declarou contra qualquer confinamento em qualquer cidade. E segue enviando os brasileiros ao trabalho como gado ao matadouro.
Para esclarecer as falsas informações veiculadas pelo embaixador, o coletivo de brasileiros Alerta França Brasil/MD18 enviou a BFMTV na quinta, 15 de abril, uma nota de repúdio « contra as mentiras do Embaixador do Brasil na França ».
A nota diz : « Não contente em negar a tragédia sanitária sem precedentes, em curso no país, com uma média diária de quase 4 mil mortos, ele teve o desplante de afirmar que estamos entre os que mais vacinam no mundo. Com tal afirmação, Serra quis passar a falsa mensagem de que a campanha de vacinação seria uma iniciativa do presidente, quando na verdade, com a sua necropolitica negacionista e criminosa, ele é o principal responsável pelas mais de 350 mil vitimas fatais registradas até hoje. Todos sabem que, além de promover o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da doença, o chamado “Kit Covid”, contrariando reiteradas recomendações da OMS, Bolsonaro recusou propostas de aquisição de vacinas, feitas em agosto de 2020, pela Pfizer e outros laboratórios. Também se opôs a operacionalizar medidas de restrição e circulação de pessoas e atividades comerciais, conforme aconselhado por especialistas da área médica. »
O mesmo coletivo Alerta França Brasil/MD18 se aliou a outro coletivo de brasileiros residentes na França, Ubuntu Audiovisual, para realizar, dia 4 de abril, um protesto diante da Embaixada em Paris contra o governo de Jair Bolsonaro. Os manifestantes colocaram na fachada do prédio faixas em francês “Genocide, de 300 mille morts » e “Dictature plus jamais”.
Le Monde e o envolvimento americano na Lava Jato
No fim de semana anterior à matéria do Libération, o jornal Le Monde publicou uma reportagém de investigação extremamente precisa e com revelações inéditas sobre o envolvimento dos Estados Unidos na formação de procuradores e do juiz Sérgio Moro.
« Justiça, a armadilha brasileira » era o título da reportagem da edição de 11 e 12 de abril. O trabalho de investigação primoroso ocupou vários meses do jornalista Nicolas Bourcier e de Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e das Caraíbas no prestigioso Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po).
O « Le Monde » presta agora um grande serviço à História e à democracia, ao publicar essa investigação de precisão cirúrgica. O jornal havia feito algumas derrapadas graves como o editorial « Brésil : Ceci n’est pas un coup d’État » (Brasil : Isto não é um golpe de Estado), publicado em 30 de março de 2016, no qual denunciava uma « retórica duvidosa » utilizada pela presidente Dilma Rousseff e por seu predessessor, o presidente Lula, que qualificavam o impeachment de golpe de Estado.

Em matéria de capa, o jornal Libération desta quinta-feira, 15 de abril, fez o relato do horror sanitário resumido na manchete « Covid-A tragédia brasileira ». O subtítulo sintetizava a matéria de quatro páginas.
« 3000 mortos por dia em média e uma gestão catastrófica da crise pelo presidente Bolsonaro: a epidemia está fora de controle no país, atingido por um variante muito virulento. Motivo de alarme para todo o planeta. »
« Suicida » é o título do editorial do Libération, que alerta para a « tragédia brasileira ». Com cerca de 4 mil mortos por dia e uma ausência de política nacional de combate à pandemia, o Brasil é visto como um suicida que deliberadamente busca a morte.
« Por trás da catástrafe nacional no Brasil há um homem, seu presidente Jair Bolsonaro, personificação extrema do populismo de direita, que consistia até poucos meses a relativizar a pandemia de Covid-19, depois a ridicularizar os portadores de máscaras e, enfim, em duvidar da urgência da vacinação », escreve o diretor de redação Dov Alfon. « E 358 mil mortos mais tarde já é tarde demais : o Brasil tornou-se um pária em nível mundial, visto como uma fábrica gigante de variantes desconhecidos dirigida por um irresponsável. »
Dov Alfon não tem medo de “chamar de gato um gato ”, como se diz em francês. Ele lembra, ainda, que o país é uma bomba-relógio e que deixá-lo sozinho não é uma opção. O editorial conclui: “O país tem certamente o potencial de superar a crise, com sua história heróica e um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Então, como ajudar um amigo que tem tendências suicidas? Com paciência, sem dúvida, mas também com muita firmeza ».
Problema para a comunidade internacional
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, entrevistado pelo jornal, diz que « hoje, o Brasil não é mais somente uma ameaça para os brasileiros : tornou-se um problema para toda a comunidade internacional ». Nicolelis pensa que a pandemia não será controlada no mundo enquanto não for controlada no Brasil.
A questão é saber se o « irresponsável » que dirige o país quer continuar a matança.
A correspondente do jornal, Chantal Rayes, fez uma viagem a Araraquara, cidade do interior de Säo Paulo. Ela relata que o prefeito Edinho da Silva, do PT, decidiu fazer um confinamento estrito de excelentes resultados. Há um mês e meio não há mortos na cidade de 240 mil habitantes. E alguns leitos de hospitais puderam ser ocupados por doentes vindos das cidades vizinhas.
« Bolsonaro sabia o que se anunciava no Brasil, poderia ter tomado iniciativas, convocado a indústria para aumentar a produção de oxigênio e de medicamentos necessários à intubação. Ele não fez nada », diz o prefeito a Libération.
Mentiras do embaixador
No dia 6 de abril, somente 2,4% dos brasileiros tinham sido vacinados com as duas doses, o que coloca o país em 56° lugar entre os que estão em campanha de vacinação.
Nada a ver com os números citados pelo embaixador brasileiro em Paris, Luis Fernando Serra, em duas entrevistas a BFMTV. Todas as informações dadas pelo embaixador eram falsas. Sobre a decisão do STF de dar aos prefeitos e governadores o poder de adotar o confinamento ou näo, ele ocultou o fato de que seu presidente sempre se declarou contra qualquer confinamento em qualquer cidade. E segue enviando os brasileiros ao trabalho como gado ao matadouro.
Para esclarecer as falsas informações veiculadas pelo embaixador, o coletivo de brasileiros Alerta França Brasil/MD18 enviou a BFMTV na quinta, 15 de abril, uma nota de repúdio « contra as mentiras do Embaixador do Brasil na França ».
A nota diz : « Não contente em negar a tragédia sanitária sem precedentes, em curso no país, com uma média diária de quase 4 mil mortos, ele teve o desplante de afirmar que estamos entre os que mais vacinam no mundo. Com tal afirmação, Serra quis passar a falsa mensagem de que a campanha de vacinação seria uma iniciativa do presidente, quando na verdade, com a sua necropolitica negacionista e criminosa, ele é o principal responsável pelas mais de 350 mil vitimas fatais registradas até hoje. Todos sabem que, além de promover o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da doença, o chamado “Kit Covid”, contrariando reiteradas recomendações da OMS, Bolsonaro recusou propostas de aquisição de vacinas, feitas em agosto de 2020, pela Pfizer e outros laboratórios. Também se opôs a operacionalizar medidas de restrição e circulação de pessoas e atividades comerciais, conforme aconselhado por especialistas da área médica. »
O mesmo coletivo Alerta França Brasil/MD18 se aliou a outro coletivo de brasileiros residentes na França, Ubuntu Audiovisual, para realizar, dia 4 de abril, um protesto diante da Embaixada em Paris contra o governo de Jair Bolsonaro. Os manifestantes colocaram na fachada do prédio faixas em francês “Genocide, de 300 mille morts » e “Dictature plus jamais”.
Le Monde e o envolvimento americano na Lava Jato
No fim de semana anterior à matéria do Libération, o jornal Le Monde publicou uma reportagém de investigação extremamente precisa e com revelações inéditas sobre o envolvimento dos Estados Unidos na formação de procuradores e do juiz Sérgio Moro.
« Justiça, a armadilha brasileira » era o título da reportagem da edição de 11 e 12 de abril. O trabalho de investigação primoroso ocupou vários meses do jornalista Nicolas Bourcier e de Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e das Caraíbas no prestigioso Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po).
O « Le Monde » presta agora um grande serviço à História e à democracia, ao publicar essa investigação de precisão cirúrgica. O jornal havia feito algumas derrapadas graves como o editorial « Brésil : Ceci n’est pas un coup d’État » (Brasil : Isto não é um golpe de Estado), publicado em 30 de março de 2016, no qual denunciava uma « retórica duvidosa » utilizada pela presidente Dilma Rousseff e por seu predessessor, o presidente Lula, que qualificavam o impeachment de golpe de Estado.

"Justiça, a armadilha brasileira": reportagem do 'Le Monde' sobre o envolvimento dos EUA na Lava Jato (Reprodução)
No texto de Bourcier e Estrada, fontes americanas e brasileiras reconstituem a intervenção dos Estados Unidos na construção da operação Lava Jato, com as consequências nefastas que todos conhecemos : o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a prisão de Lula, seu impedimento de concorrer à presidência e a eleição do capitão Jair Bolsonaro.
O texto diz em determinado momento : « A embaixada americana em Brasília tenta criar uma rede de especialistas locais para defender as posições americanas sem dar a impressão de ‘ser peões’ de Washington, escreve o embaixador americano Clifford Sobel, em telegrama diplomático que os autores da reportagem puderam ler”.
O melhor vem a seguir. Temos a impressão de estar lendo um livro de espionagem no qual um governo estrangeiro faz a cooptação e prepara a formação de um agente duplo :
« Sergio Moro, que colabora ativamente com as autoridades americanas no caso Banestado, é contactado para participar de um programa de encontros financiado pelo Departamento de Estado. Ele aceita. Uma viagem é organizada aos Estados Unidos em 2007, durante a qual faz uma série de contatos no FBI, no Departamento de Justiça e no Departamento de Estado ».
A longa reportagem do Le Monde é leitura obrigatória para historiadores, jornalistas e políticos que buscam compreender os meandros da Lava Jato e como esta suposta operação anti-corrupção está na origem da destruição de grandes empresas brasileiras, inclusive a Petrobras, e na escalada da degradaçäo da soberania nacional.
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, a autora lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.
No texto de Bourcier e Estrada, fontes americanas e brasileiras reconstituem a intervenção dos Estados Unidos na construção da operação Lava Jato, com as consequências nefastas que todos conhecemos : o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a prisão de Lula, seu impedimento de concorrer à presidência e a eleição do capitão Jair Bolsonaro.
O texto diz em determinado momento : « A embaixada americana em Brasília tenta criar uma rede de especialistas locais para defender as posições americanas sem dar a impressão de ‘ser peões’ de Washington, escreve o embaixador americano Clifford Sobel, em telegrama diplomático que os autores da reportagem puderam ler”.
O melhor vem a seguir. Temos a impressão de estar lendo um livro de espionagem no qual um governo estrangeiro faz a cooptação e prepara a formação de um agente duplo :
« Sergio Moro, que colabora ativamente com as autoridades americanas no caso Banestado, é contactado para participar de um programa de encontros financiado pelo Departamento de Estado. Ele aceita. Uma viagem é organizada aos Estados Unidos em 2007, durante a qual faz uma série de contatos no FBI, no Departamento de Justiça e no Departamento de Estado ».
A longa reportagem do Le Monde é leitura obrigatória para historiadores, jornalistas e políticos que buscam compreender os meandros da Lava Jato e como esta suposta operação anti-corrupção está na origem da destruição de grandes empresas brasileiras, inclusive a Petrobras, e na escalada da degradaçäo da soberania nacional.
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, a autora lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.
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