Mortes pela pandemia disparam e sistema de saúde aproxima-se do colapso em ao menos 20 estados. Governo não age — e ainda retarda reinício do Auxílio Emergencial, obrigando população a lançar-se às ruas.Do OUTRA SAÚDE, 03/03/2021
por Maíra Mathias e Raquel Torres
ERA RUIM, PIOROU
E mais um dia com recorde de mortes, o Brasil teve ontem com 1.726 novos óbitos. É um número bem mais alto do que o maior registro anterior, na última quinta-feira, que foi de 1.582. A média móvel também bateu recorde, pelo quarto dia seguido, chegando a 1.254. Aliás, já são três dias seguidos com essa média acima de 1,2 mil – e 41 dias acima de mil. O Globo comparou as mortes registradas entre novembro e dezembro do ano passado com aquelas de janeiro e fevereiro: o aumento foi de 71%. A alta foi puxada fortemente pelo Amazonas, onde, com a crise do oxigênio, elas cresceram nada menos que 662%.
O caos agora é generalizado. O Observatório Covid-19 da Fiocruz publicou ontem um boletim extraordinário com uma nota técnica afirmando que, pela primeira vez, o país inteiro tem piora nos vários indicadores da covid-19: números de casos, de mortes, de incidência de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), alta positividade nos testes, taxas de ocupação hospitalar…
Uma semana atrás, o boletim do dia 22 de fevereiro contabilizou 12 estados com mais de 80% de suas UTIs de covid-19 ocupadas. Agora, são 19. Vinte capitais têm essa taxa acima de 80%, enquanto outras cinco estão quase lá, com mais de 70%. Os pesquisadores sugerem, obviamente, que se faça a única coisa possível nesse momento: restringir a circulação de forma mais rigorosa.
Para o vice-presidente, general Hamilton Mourão, não dá para “impor algo nacional” porque o Brasil não é uma ditadura e porque a população cansou dos fechamentos. “Nosso povo não gosta de ficar trancado, gosta de estar na rua, isso é uma realidade”, comentou. Já Paulo Guedes teve a pachorra de dizer à Jovem Pan que o Brasil está na “cauda” da pandemia, e que se (se…!) vier a segunda onda, o país vacinará em massa sua população.
E Jair Bolsonaro? Convidou o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) para ir ao Palácio do Planalto ontem preparar um banquete com leitão, linguiça, feijão tropeiro e carne moída com quiabo. “Estava alegre, bem descontraído”, descreveu Ramalho à Folha.
O presidente chegou a chamar um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que aconteceria ontem à noite, sem tema divulgado. Mas, minutos depois, decidiu cancelá-lo.
MISSÃO IMPOSSÍVEL
Todo mundo com o mínimo bom senso parece concordar que a hora de fechar tudo já passou. Mas é difícil imaginar qualquer regra de confinamento dando certo sem que o problema do auxílio emergencial seja resolvido. Mais de 13 milhões de brasileiros estão desempregados e 33 milhões trabalham na informalidade, segundo os últimos dados da PNAD contínua.
Ainda não sabemos quando o novo auxílio vai começar a circular, quem vai recebê-lo, nem mesmo o valor está realmente fechado. Na Câmara, a maioria dos líderes partidários decidiu votar a PEC Emergencial sem passar por nenhuma comissão, para acelerar o rito. A votação a jato despertou insegurança na oposição, considerando toda a pressão para atrelar o benefício a mecanismos de ajuste fiscal.
MENOS REGRAS
Ontem foi um dia quase temático no Congresso Nacional, com a aprovação definitiva de duas medidas que facilitam a compra de vacinas no Brasil que, agora, seguem à sanção presidencial.
Primeiro, os senadores aprovaram a medida provisória 1.026, que flexibiliza as regras para a compra de qualquer bem ou serviço usado na vacinação contra a covid-19. Embora o foco sejam as próprias vacinas, a MP é bastante ampla e dispensa de licitação também a contratação de serviços de logística, publicidade, tecnologia da informação… E esse sinal verde não é dado só para municípios, estados e União, mas também para a administração pública indireta, ou seja: autarquias, empresas públicas, fundações, etc.
No caso da compra de vacinas, a MP permite que os gestores aceitem qualquer exigência das empresas farmacêuticas, inclusive cláusulas de confidencialidade. O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual reflete sobre isso em uma nota. No texto, os pesquisadores reconhecem que o momento é “excepcional e complexo”, com o governo federal perseguindo uma “estratégia institucional de propagação do vírus no país” enquanto há necessidade de acelerar as campanhas, mas ponderam:
“Diante desse cenário, o Brasil se encontra completamente refém das exigências feitas pela indústria farmacêutica privada, que está aproveitando a situação para impor suas condições e concentrar ainda mais poder. Assim, essa MP nada mais é do que o atestado de subserviência do Estado brasileiro aos interesses corporativos de algumas poucas empresas transnacionais. Ela também abre brechas que beneficiam empresas alinhadas e aliadas do governo na prestação dos serviços nacionais de distribuição e disseminação das vacinas pelo país”.
A MP também autoriza a aquisição de vacinas antes que a Anvisa dê qualquer registro. A verdade é que isso já está acontecendo: semana passada o governo federal comprou 20 milhões de doses da Covaxin, imunizante sobre o qual o mundo não tem muitas informações de eficácia.
Mas a partir da medida provisória, estados e o consórcio de municípios deverão avançar nas suas próprias negociações de imunizantes. O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), anunciou ontem que os estados querem comprar 50 milhões de doses Sputnik V, que também não tem registro por aqui. Ontem, o presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), sugeriu a criação de um fundo para essa compra e outras despesas relacionadas à pandemia. Seria turbinado com recursos de emendas parlamentares, por exemplo.
Ainda em relação à Anvisa, a MP resgata a ideia de que a agência precisa decidir sobre a aprovação temporária de vacinas já autorizadas por agências estrangeiras em um curto espaço de tempo. Anteontem, a pedido do diretor-presidente da agência, Bolsonaro vetou o prazo de cinco dias que estava previsto em outra medida. No texto que vai à sanção, o prazo é de sete dias úteis.
EMPRESAS PODERÃO COMPRAR
E a Câmara aprovou o projeto de lei que permite a compra de vacinas contra a covid-19 por estados, municípios e empresas. Os deputados não mudaram o texto que havia sido aprovado pelos senadores na semana passada, de modo que você já leu tudo sobre o PL aqui.
Mas para refrescar a memória: a iniciativa privada poderá comprar essas vacinas, desde que elas sejam autorizadas pela Anvisa e doadas integralmente ao SUS enquanto durar a vacinação dos grupos prioritários. Quando acabar essa etapa, o setor privado poderá comprar, distribuir e administrar vacinas, mas deverá doar pelo menos metade ao SUS. O restante precisa ser utilizado de forma gratuita e não poderá ser comercializado.
Estados e municípios também poderão comprar essas vacinas, desde que elas tenham registro da Anvisa ou autorização temporária no Brasil. Todos os entes, incluindo a União, poderão assumir a responsabilidade civil por eventos adversos pós-vacinação, como exigem as farmacêuticas.
“Agora Bolsonaro não tem mais desculpa para não comprar as 70 milhões de doses que lhes foram oferecidas ano passado. Governadores e prefeitos podem acelerar o que Bolsonaro não faz e o setor privado, se quiser ajudar, não pode vender vacina”, afirmou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), em entrevista à Folha.
RIVAIS UNIDAS
A Casa Branca intermediou um pacto entre duas gigantes farmacêuticas rivais – a Merck e a Johnson & Johnson – para aumentar a produção de vacinas contra a covid-19 e garantir que os Estados Unidos tenham doses suficientes para todos os adultos até maio.
O acordo vem três dias depois de o país autorizar o uso do imunizante da Janssen (divisão farmacêutica da J&J), e movido pelo fato de que, como comentamos por aqui, a produção estava atrasada. Agora, a Merk vai trabalhar na produção dessa vacina. O arranjo é incomum, mas foi possível porque o presidente Joe Biden evocou uma lei de 1950, o Ato de Produção de Defesa para adaptar duas instalações da Merck à nova produção. “É o tipo de colaboração entre empresas que vimos na Segunda Guerra”, disse ele. Em paralelo a esse apoio, as unidades da J&J que já estão fabricando as doses vão passar a atuar 24 horas por dia, sete dias por semana.
Como se trata de uma vacina de dose única, a estratégia deve acelerar consideravelmente a campanha de imunização por lá.
CONTRA OS CORTES
Um grupo de onze ex-ministros da Ciência e Tecnologia lançou ontem um manifesto contra os cortes da proposta orçamentária para 2021. São nomes que dirigiram a pasta nos governos Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma afirmando que “caminhamos a passos largos na direção do obscurantismo”.
Eles ressaltam que os recursos discricionários, onde se materializam as políticas setoriais, despencaram de R$ 8,7 bilhões em 2014 para R$ 2,7 bilhões em 2021. Na Capes, a verba caiu de 7,7 bilhões em 2015 para R$ 2,9 bilhões em 2021. O CNPq vai ficar só com R$ 22 milhões em 2021, além de ter uma redução de 10% nas bolsas.
MAÍRA MATHIAS E RAQUEL TORRES
Maíra Mathias e Raquel Torres são editoras do Outra Saúde.
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.

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