Breno Altman reflete sobre o passado, o presente e o futuro do PT por ocasião do aniversário de 41 anos do partido.
Do Blog da Boitempo,10/02/2021
Por Breno Altman.
O Partido dos Trabalhadores chega aos 41 anos em meio a dilemas e desafios. Derrubado pelo golpe parlamentar de 2016, perdeu parte de sua densidade eleitoral e foi derrotado por Jair Bolsonaro em 2018. Com seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interditado por uma trama judicial, busca recompor uma orientação política que relance a legenda como alternativa viável de governo e poder.
São tempos difíceis. Apesar dos enormes avanços sociais e econômicos no ciclo de administrações petistas, a incapacidade de opor uma resistência efetiva à sublevação das elites, consumada com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, abriu um processo inconcluso de balanço e correção de rota.
Esse debate tem centralidade em problemas do presente e do futuro, mas também é banhado pelas águas do passado, na busca de se compreender quando e como se rompeu o fio da história, e o que fazer para retomá-lo nas circunstâncias atuais.
Ao contrário da lenda disseminada em alguns círculos, a fundação do PT e sua trajetória histórica romperam com a arquitetura desenhada, em seus estertores, pela ditadura militar. Embora um dos objetivos fosse, circunstancialmente, dividir a oposição antes das eleições de 1982, o elemento estruturante era limitar a disputa pelo poder entre partidos da ordem, como sempre foi a marca das eleições brasileiras praticamente desde o Segundo Império.
O sistema partidário deveria ser controlado por agremiações liberais e conservadoras que preservassem o velho Estado oligárquico, os interesses dos grandes grupos capitalistas, de dentro e de fora. A esquerda estaria condenada a uma posição marginal, constrangida a funcionar como linha auxiliar das frações mais democráticas ou nacionalistas da representação burguesa.
Apenas nove anos depois de sua criação, nas eleições presidenciais de 1989, com a passagem de Lula para o segundo turno contra Fernando Collor, o Partido dos Trabalhadores rasgava o mapa da estrada traçado pelos generais e seus interlocutores civis, conquistando protagonismo que se estenderia às três décadas seguintes.
Essa relevância foi possível porque o PT, derrotada a Campanha das Diretas, em 1984, assumiu uma postura de enfrentamento à transição conservadora, rompendo com a oposição liberal e assumindo o risco de construir uma alternativa independente, alicerçada sobre um bloco de forças no qual os trabalhadores organizados exerceriam sua hegemonia.
O partido presidido por Lula, então, no espaço de quatro anos, às custas de doloroso isolamento, boicotou o Colégio Eleitoral de 1985, que elegeria a chapa Tancredo-Sarney contra Maluf; fez oposição cerrada à Nova República desde o primeiro dia, quando o presidente eleito vivia sua agonia; e votou contra a Constituição de 1988, exatamente porque os capítulos da ordem política preservavam a tutela militar, o monopólio dos meios de comunicação e a exclusão da participação popular, entre outros aleijões.
A bordo de potentes mobilizações sindicais e populares, o PT forjava uma estratégia antissistema. Ainda que ampliando sua participação parlamentar e institucional – incluindo a conquista de importantes prefeituras -, sua força principal de propulsão estava na pressão social, na qual buscava se enraizar, animando um forte sentimento contra o pacto das elites, concretizado no governo Sarney.
A principal preocupação do partido era com a construção de sua identidade programática e o enraizamento popular, apostando que esse caminho deslocaria outras correntes progressistas para o campo político que buscava semear, como de fato aconteceria. A candidatura de Lula, em 1989, foi apresentada em uma aliança com o PSB e o PCdoB, partidos que haviam se engajado na Nova República. No segundo turno, recebeu apoios do PDT, PSDB e PMDB, entre outros: uma inédita frente ampla liderada por um partido de esquerda. A radicalidade tinha sido, ironicamente, a chave de acesso à essa amplitude, pelo sucesso em transformar uma clara narrativa antissistema em potência de massa.
Ao contrário da tradição comunista posterior aos anos 50, o PT propunha uma outra equação entre alianças e hegemonia, com uma recusa estratégica em operar como coadjuvante de qualquer coalizão estável dirigida por partidos burgueses ou pequeno-burgueses.
O 5º Encontro Nacional, de 1987, aprovou a via institucional de chegada ao governo, derrotando posições insurrecionais, cimentada por um programa de reformas estruturais e poder popular. A lógica era colocar as instituições sob uma nova direção de classe, mudando-as ou construindo novas, o oposto da assimilação pela ordem que vivera a socialdemocracia europeia.
Essa formulação se combinava com a leitura do caráter intrinsecamente antidemocrático da burguesia brasileira. Mais cedo ou mais tarde, de forma ativa ou preventiva, contra um governo de reformas, as elites responderiam pela contrarrevolução. Fazia-se necessário estar à altura desse momento, o que implicava em colocar os espaços institucionais conquistados a serviço da educação, organização e mobilização do povo, além de conduzir, com os riscos que tivessem que ser corridos, mudanças nas estruturas judiciais e militares.
Essa radicalidade programática, no entanto, era combinada com uma política aliancista, cujo eixo era a confluência dos trabalhadores da cidade e do campo com as camadas médias, o que implicava em construir uma frente com outros partidos de esquerda e centro-esquerda.
Nos anos 90, com o colapso da União Soviética e o predomínio do neoliberalismo, consagrado localmente pela vitória de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, o PT faria um giro tático, que paulatinamente deslocaria o partido da estratégia concebida nos anos 80. O movimento, eleitoralmente bem-sucedido, estenderia a política de alianças para além dos setores populares, incluindo robustas dissidências empresariais e suas vozes políticas, abrandando-se o programa e assumindo compromissos de preservação da ordem.
Essa foi a senda que levou à vitória de Lula em 2002. Potente junto às classes assalariadas e urbanas, o PT avançou sobre pedaços do eleitorado centrista. Depois, por conta da extraordinária melhoria nas condições de renda e vida, cresceria entre os miseráveis, que compensariam parcialmente o desgaste sofrido nos setores médios e entre os próprios trabalhadores organizados.
Essa rota entrou em relativo declínio nos dois últimos anos do primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff, quando a situação econômica começou a travar e a ofensiva conservadora subiu de patamar, alinhada com as respostas imperialistas à crise mundial de 2009. Na etapa em que essa escalada atingiu seu auge, depois da reeleição em 2014, o abandono de uma estratégia de poder se fez sentir em toda plenitude.
O êxito na concepção e execução de um projeto de governo mostrava-se claramente insuficiente, apesar dos anos de popularidade. O PT estava enclausurado na institucionalidade, isolado no poder executivo, traído pelos aliados burgueses, sem força de mobilização social, desprovido de comunicação, solapado pelo sistema de justiça e ameaçado pelas estruturas repressivas.
Foi nesse contexto, de desorientação estratégica, que as concessões políticas e econômicas ordenadas pela presidenta Dilma Rousseff a partir de 2015, destinadas a aplacar o furor golpista, acabaram funcionando ao revés, estimulando seus inimigos e desarrumando as fileiras de seus eleitores. Essas medidas, somadas à Operação Lava Jato e às chamadas “pautas-bomba”, danificaram a economia, a governabilidade e o crédito político-eleitoral do PT.
A falta de um projeto de mudança nos poderes de Estado provocou enorme vulnerabilidade, induzindo a movimentos táticos erráticos e impedindo que fossem erguidas as defesas necessárias contra o golpe de 2016, a estigmatização moral do petismo, além da prisão e interdição eleitoral de Lula, que estão na origem da ascensão do bolsonarismo.
Esses temas, embora se refiram ao passado, são importantes para a compreensão das questões atuais e seu debate.
O PT irá percorrer o caminho da normalização política, integrando-se de vez ao sistema contra o qual se chocou em sua emergência, ou retomará plenamente sua perspectiva de transformações profundas, antissistema?
Seu horizonte estará limitado aos ajustes democráticos e humanistas do capitalismo brasileiro ou novamente irá encarnar, com vigor, a construção de uma nova sociedade, de natureza socialista?
Seu acionar político voltará a ser estruturado pela formação e organização de uma força social de combate, nos territórios físicos e nas redes, ou continuará sob a dominância de mandatos parlamentares e executivos?
Será capaz de reconstruir uma forte identidade programática, de esquerda, sobre a qual poderá se assentar uma frente orgânica de partidos e movimentos?
Reconstituirá, como norte de sua política, a transição do poder político às classes trabalhadoras, através da democratização radical do Estado?
São algumas das perguntas que sempre estiveram em pauta, no passado e no presente, para o partido que não teve medo de brincar com fogo.
Dicas de leitura da Boitempo, para aprofundar:
A verdade vencerá: o povo sabe por que me condenam, de Luis Inácio Lula da Silva
10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil, de Emir Sader (org.)
O alfaiate de Ulm: uma possível história do PCI, de Lucio Magri
O manifesto socialista, de Bhaskar Sunkara
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Breno Altman é jornalista e fundador do site Opera Mundi. Escreve mensalmente para o Blog da Boitempo sobre história da esquerda brasileira, latinoamericana e mundial.
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.

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