No corajoso trabalho do jornalista Bruno Paes Manso está explicada toda a gênese da eleição e do governo Bolsonaro
Da Carta Maior, 30 de Dezembro, 2020
Por Léa Maria Aarão Reis
No volume A República das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro lançado pela Editora Todavia e de autoria do jornalista e cientista político Bruno Paes Manso, o leitor vai encontrar toda a gênese da eleição e do governo Bolsonaro. O livro foi lançado há dois meses, e neste fim de ano está alcançando a grande repercussão a que faz jus. Nele, há uma rigorosa investigação no universo do ''estado terceirizado ou leiloado'' do Rio de Janeiro onde milícias paramilitares e oficiosas de policiais e ex-militares conquistaram amplo poder político e econômico. Na república do ''está tudo dominado'' o eixo central é São Paulo e Rio de Janeiro.
''Mistura rara de reportagem de altíssima voltagem com olhar analítico e historiográfico, A república das milícias expõe de forma corajosa e pioneira uma face sombria da experiência nacional que passou ao centro do palco com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência em 2018'', adverte a Editora do volume - e com fundamento.
E lembra que Fabrício Queiroz, Adriano da Nóbrega e Ronnie Lessa têm seus perfis nesse trabalho que, certamente, ficará como referência obrigatória para os que estudarem a história do país no atual período e para aqueles que querem entender como se criou o ambiente propício ao descalabro e ao desgoverno do Brasil nos anos mais recentes.
Bruno Paes Manso, autor também de A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, esquadrinha a formação dos esquadrões da morte, em 1960, atravessa o domínio do tráfico nos anos 1980/1990, vai dos porões da ditadura militar às máfias de caça-níqueis, e esmiúça a ascensão do modelo miliciano de negócios até o assassinato de Marielle Franco.
A narrativa das diferenças de operação dos grupos desse mundo que foi se entranhando nas instituições, faz refletir sobre a falta de conhecimento da grande maioria da população a respeito do universo de onde provém a família Bolsonaro.
Reflexão importante por parte de alguns leitores que comentam essa história é a análise do ''comando único'' do tráfico internacional de drogas, em São Paulo, e do varejo descentralizado desse tráfico no Rio de Janeiro onde não chegou a florescer uma classe operária industrial e onde não ocorreu a criação de comunidades eclesiásticas no interior do núcleo de igreja católica progressista, como sucedeu na capital paulista. Para preservar a governança local substituiu-se um Estado fraco e incapaz com violência, extorsões, assassinatos, sangue e frequentes traições.
Manso é repórter experiente, pesquisador rigoroso e aponta para o perigo que ronda a democracia caso as milícias sigam ocupando cada vez mais espaço.
Logo no primeiro capítulo, narrando o seu encontro e a longa entrevista com um ex-miliciano (pseudônimo ''Lobo''), num café próximo da Estação Central do Brasil, no Rio, a observação determinante de Bruno Manso: ''A amizade e o convívio com policiais reforçavam em Lobo a convicção de que violência produz ordem''.
É este o roteiro dos capítulos desenvolvidos pelo autor:
1. Apenas um miliciano
2. Os elos entre o passado e o futuro
3. As origens em Rio das Pedras e na Liga da Justiça
4. Fuzis, polícia e bicho
5. Facções e a guerra dos tronos
6. Marielle e Marcelo
7. As milícias 5G e o novo inimigo em comum
8. Cruz, Ustra, Olavo e a ascensão do capitão Ubuntu
...
Abaixo, trechos do livro e observações do autor em entrevistas recentes:
''A trajetória da violência, numa espiral crescente, foi tomando formas cada vez mais próximas de uma ocupação criminosa do Estado do Rio de Janeiro, escreve Manso. '' Se antes o Rio convivia com bicheiros, grupos de extermínio, traficantes e facções criminosas, agora o território é disputado e controlado pelas milícias, formadas por policiais civis e militares, membros do Corpo de Bombeiros, políticos corruptos, bandidos comuns e lideranças comunitárias''.
Sobre a tolerância política: ''Na leitura de Lobo, a parceria com o batalhão local e a tolerância política aos trabalhos dos milicianos são estruturais e condição para o funcionamento dos serviços de milícia no Rio''. (Lobo:) "Não adianta. Se não tiver policial junto, o trabalho não vinga. O policial vai se sentir oprimido, ver os caras andando com cordão de ouro, cresce os olhos''.
Tráfico e milícia: “O segredo de ganhar a comunidade era fazer o que o Estado não conseguia fazer. Até escola particular pra criancinha especial o Betinho pagava. Quando o tráfico quis voltar, os moradores amavam tanto o pessoal que alguns até pediam armas para ficar atirando da janela nos traficantes' contou Lobo.''
Os grupos: (Jornais cariocas) ... ''apontaram a existência de onze grupos, seis deles chefiados por policiais militares, como protagonistas da ofensiva que teria tomado 42 favelas de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca, na zona oeste.''
Jacarepaguá nos anos 2000: ''A trajetória de Lobo me ajudava a entender o contexto de Jacarepaguá no começo dos anos 2000 e o papel do 18o Batalhão naquela região; dava mais cores ao cenário onde trabalhou o sargento Fabrício Queiroz, cuja carreira policial transcorreu, na maior parte do tempo, naquele batalhão. Desenrolando o fio, também era possível chegar ao então tenente Adriano Magalhães da Nóbrega, que depois viraria capitão. Queiroz e Adriano da Nóbrega se conheceram em 2003 no 18o Batalhão. Anos depois, em 2007, Queiroz se tornou o faz-tudo do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro. Já Adriano da Nóbrega foi protegido pela família Bolsonaro durante anos, com parentes empregados no gabinete de Flávio, mesmo durante o período em que mergulharia no crime do Rio para se tornar um dos criminosos mais violentos da cena local''.
Forças Armadas: ''Ao lado da polícia, também desempenham papel central nessa narrativa em defesa de uma ordem violenta as Forças Armadas. Desde a redemocratização, em 1985, alguns grupos militares se ressentiram da perda de protagonismo e se uniram em torno de ideais que só vieram à tona depois da eleição de Bolsonaro em 2018. Durante anos, esses movimentos ficaram longe do debate público, com as instituições, a imprensa e os políticos praticamente alheios, como se a democracia, reconquistada a duras penas com a Nova República, pudesse se perpetuar por inércia, sem que fossem necessários cuidados e ajustes''.
Turbilhão: ''A eleição de Jair Bolsonaro se deu nesse turbilhão. Com ele, foram eleitos políticos que desdenharam do assassinato de Marielle e que a difamaram depois de sua morte. O interventor do Rio, o general Walter Braga Netto, desafiado e humilhado pelos milicianos, assumiu em 2020 o cargo político mais importante do governo Jair Bolsonaro, a chefia da Casa Civil. Braga Netto passou a liderar o governo de um político que sempre defendeu a ação, e até mesmo a legalização, dos grupos paramilitares e que havia feito pouco caso do assassinato de Marielle.
Pandemia: ''A dimensão dos problemas em que o país se enredou tornou-se ainda mais assustadora com a pandemia do novo coronavírus a partir de março de 2020, com um governo repleto de militares e um presidente negacionista que deixou o vírus se espalhar de forma descontrolada. Desenrolar o fio dessa história, sem a intenção de buscar culpados, ajuda a compreender a lógica por trás das escolhas feitas e dos caminhos seguidos por seus protagonistas. A raiva e o ressentimento que inundaram as ruas levaram representantes desses autodestrutivos à liderança do país. Entender essa trajetória, para evitar que esses erros se repitam, é uma das poucas saídas que restam aos brasileiros''.
Informações:
A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro
por Bruno Paes Manso (Autor)
Editora : Todavia
Idioma: : Português
Capa comum : 304 páginas
ISBN-10 : 6556920614
ISBN-13 : 978-6556920610
Dimensões : 20.8 x 13.6 x 1.8 cm
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.

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