O objetivo do regime legal internacional deveria ser ajudar a acabar com o colonialismo. Seu fracasso na Palestina ameaça sua própria existência
Da Carta Maior, 14 de Julho, 2020
Por Wesam Ahmad
Créditos da foto: Soldados israelenses assistem os palestinos se reunirem durante um protesto contra os assentamentos israelenses na cidade de Beita, perto de Nablus, na Cisjordânia ocupada por Israel em 2 de março de 2020 (Reuters/Mohamad Torokman)
Em meio a uma pandemia global, recessão econômica e tensões raciais ao redor do mundo, a ameaça israelense de anexar formalmente partes do território ocupado da Palestina apresenta uma outra crise internacional. Isso porque, com essa ação absurda, o governo israelense ameaça desfazer o sistema de regras das relações internacionais.
O regime de lei internacional atual foi estabelecido na primeira metade do século 20 não somente para regular relações entre estados, mas também para assistir os movimentos de autodeterminação ao redor do mundo e orientar o fim do colonialismo.
A iminente anexação israelense de terra Palestina e a falta de ação global sobre isso evidencia o fracasso desse regime para ajudar a acabar com o colonialismo e coloca a própria razão de sua existência em jogo.
Sem lei para os poderosos
Boa parte da narrativa em círculos diplomáticos internacionais sobre a questão da anexação se manteve acerca da dissuasão, com o raciocínio sendo que a ameaça de consequências tangíveis com a anexação, levará a uma reconsideração da ação. Ainda assim, essa narrativa falha em reconhecer que chegamos a um ponto, no qual Israel irá anexar outro pedaço do território palestino, precisamente porque a dissuasão não funcionou. A ameaça de consequências meramente forçou os governos israelenses a inovarem.
Na realidade, Israel tem aproveitado uma ampla impunidade em todos os estágios da colonização da Palestina, uma vez que a comunidade internacional o tratou como um estado soberano cumpridor da lei e não como uma potência colonizadora. A participação de Israel no programa Horizon da UE em 2020 é somente mais um exemplo disso.
Israel, é claro, não está sozinho em suas ambições expansionistas. A história é repleta de exemplos de estados coloniais gananciosos e os meios, métodos e justificações que eles têm usado para conduzir suas práticas coloniais. Na grande maioria dos casos, esses estados não mostraram autocontrole, exigindo que uma força externa (frequentemente a busca por liberdade dos sujeitos coloniais oprimidos) os desafie e domine essas ambições.
É por essa razão que a lei internacional inclui provisões que devem conter o expansionismo. Mas enquanto a estrutura legal existe, seus mecanismos de aplicação têm se mostrado fracos, o que somente encorajou atores poderosos a manipulá-los e quebrá-los. A contínua colonização da Palestina é o principal exemplo disso.
Desde o início da ocupação em 1967, oficiais israelenses foram aconselhados que a apropriação da propriedade com o propósito de assentamentos de civis seria considerada violação da lei humanitária internacional que, teoricamente, proíbe a prática de colonialismo.
Contudo, eles decidiram explorar provisões na lei de conflito armado que permite o confisco de propriedade quando “demandada imperativamente por necessidades de guerra” afim de fornecer uma proteção para o eventual desenvolvimento e expansão de assentamentos judeus em território palestino.
Quando o Tribunal Superior de Israel decidiu contra a apropriação de propriedade privada palestina no caso Elon Moreh de 1979, a política israelense se adaptou para explorar a lei da era otomana para tratar a terra pública como terra do estado e continuar a expandir seu negócio de assentamentos por meio da distinção entre propriedade privada e pública em territórios ocupados.
Se foi por meio do tratamento de assentados como parte da população civil em território ocupado ou por meio da justificação da exploração de recursos naturais por meio de pagamentos de royalties à Administração Civil Israelense e emprego para os palestinos, o sistema judiciário israelense forneceu cobertura “legal” para Israel ampliar seu empreendedorismo colonial ao explorar outro princípio da lei de conflito armado, que permite que mudanças sejam feitas em território ocupado se forem feitas de acordo com o interesse da população civil do local.
A economia do colonialismo
Ao longo de sua história de 72 anos, Israel continuou a refinar a arte da colonização e a conduzir o que podem ser consideradas como as melhores práticas de negócio do colonialismo.
O projeto colonial de Israel possui muitas das características coloniais, como a supremacia, exploração e a titularização, mas também possui, ao menos, um fator diferencial – sua natureza corporativa multinacional.
Ao incorporar a globalização e a economia de livre mercado ao seu negócio colonial, Israel criou uma estrutura de incentivo econômico que continua a perpetuar o conflito para lucrar. Ao unir política estatal com investimento privado, Israel convidou ambos estado e atores corporativos multinacionais para se beneficiarem do seu negócio colonial.
Por exemplo, a Heidelberg Cement da Alemanha, uma das maiores empresas de materiais de construção, foi acusada de lucrar com a extração de recursos do território palestino confiscados ilegalmente por Israel na Cisjordânia e de vender materiais de construção para assentamentos israelenses ilegais.
Desse modo, considerações corporativas – benefícios econômicos diretos e indiretos – desencorajaram governos a tomar ação política para dificultar a dinâmica do projeto colonial israelense e, desse modo, ambos estado e atores corporativos contribuíram para sua operação.
Essa estrutura de incentivo ajuda a explicar a resposta dúplice da comunidade internacional ao empreendedorismo colonial israelense: sua condenação de Israel e insistência pela implementação de provisões internacionais legais e sua vontade simultânea de não tomar nenhuma medida séria para contê-lo.
O problema é que décadas de impunidade levaram muitos oficiais israelenses a acreditar que não há nem uma necessidade de obedecer a regras internacionais e buscar uma anexação de fato e, com o apoio da administração Trump, eles agora buscaram por um confisco de direito do território palestino.
Isso desestabilizou o equilíbrio delicado que a comunidade internacional tem tentando manter entre a integridade do sistema legal internacional e sua inação perante as violações israelenses, com os custos disso, agora, potencialmente superando os benefícios (incluindo econômicos).
Se Israel for isento da aplicação da lei internacional, como a UE pode evocar a lei internacional para justificar sua posição em questões como a anexação russa da Criméia, por exemplo?
Hora de acabar com o colonialismo
Com 2020 marcando o ano final da Terceira Década Internacional pela Erradicação do Colonialismo, é hora de a comunidade internacional perceber que as atuais práticas coloniais israelenses não podem ser separadas da história do colonialismo.
Embora a lei internacional devesse colocar um fim à prática do colonialismo, é claro que ainda não terminou o trabalho. O colonialismo nunca poderá ser erradicado de fato se a colonização da Palestina continuar.
Se a comunidade internacional quer salvar o estado de direito nas relações internacionais, tem que tomar ações concretas. Sua resposta à ameaça da anexação formal não pode ser simplesmente ameaçar sancionar Israel para evitar que o mesmo cumpra suas ameaças. Isso irá simplesmente permitir que ele volte às suas velhas estratégias de anexação.
1º de julho pode ter vindo e ido de maneira anticlimática, mas Israel mostrou suas verdadeiras intenções ao mundo e elas não podem ser ignoradas.
Por isso, a comunidade internacional deve abordar as causas originais que fizeram surgir essa ameaça ao encerrar sua relutância em responsabilizar Israel pela sua contínua colonização da Palestina e tomar ação agora. Essa ação deveria ter a forma de sanções direcionadas à toda a estrutura econômica que incentiva a empreitada colonial de Israel.
Sem uma força externa agindo contra as ambições expansionistas de Israel, a colonização da Palestina irá continuar. Se a função e o espírito do sistema de regras das relações internacionais devem ser preservados, essa força deve ser a força da lei.
*Publicado originalmente em 'AlJazeera' | Tradução de Isabela Palhares
Grupo de Pesquisa Sul-Sur
Este grupo se insere numa das linhas de pesquisa do LABMUNDO-BA/NPGA/EA/UFBA, Laboratório de Análise Política Mundial, Bahia, do Núcleo de Pós-graduação da Escola de Administração da UFBA. O grupo é formado por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes instituições públicas de ensino e pesquisa.
Buscamos nos apropriar do conhecimento das inter-relações das dinâmicas socioespaciais (políticas, econômicas, culturais) dos países da América do Sul, especialmente do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Chile, privilegiando a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do chamado “subdesenvolvimento”, expressas, claramente, na organização das economias dos diversos povos, nos grupos sociais, no espaço.
Nosso campo de investigação dialoga com os campos da Geopolítica, Geografia Crítica, da Economia Política e da Ecologia Política. Pretendemos compreender as novas cartografias que vêm se desenhando na América do Sul nos dois circuitos da economia postulados por Milton Santos, o circuito inferior e o circuito superior. Construiremos, desse modo, algumas cartografias de ação, inspirados na proposta da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro, especialmente dos diversos movimentos sociopolíticos dessa região, das últimas décadas do século XX à contemporaneidade.
Interessa-nos, sobretudo, a compreensão e a visibilidade das diferentes reações e movimentos dos países do Sul à dinâmica hegemônica global, os espaços de cooperação e integração criados, as potencialidades de criação de novos espaços e os seus significados para o fortalecimento da integração e da cooperação entre os países do Sul, do ponto de vista de outros paradigmas de civilização, a partir de uma epistemologia do sul. Através das cartografias de ação, buscamos perceber as antigas e novas formas de organização social e política, bem como os espaços de cooperação SUL-SUL aí gestados. Consideramos a integração e a cooperação Sul-Sul como espaços potenciais da construção de novos caminhos de civilização que superem a violência do desenvolvimento da forma em que ele é postulado e praticado.

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