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FALA DO REITOR JOÃO CARLOS SALLES (UFBA), PRESIDENTE DA ANDIFES. Câmara dos Deputados, 15/10/2019




Do Change.org, 18 de Outubro, 2019
Daniel Peres, Salvador, BA, Brazil



Hoje, muitos olham a universidade e só conseguem ver mazelas. É tamanha a hostilidade que sequer reconhecem a virtude da pesquisa, da liberdade de pensamento, da formação de pessoas, dos benefícios múltiplos e profundos à sociedade. Olham a universidade com seus olhos míopes, cobrando resultados imediatos e retorno a contribuintes, como se ela fosse um negócio. Os que procuram resultados imediatos, não têm os olhos no futuro comum. Os que só veem o que é imediatamente útil, os que se dizem pragmáticos, não conseguem ver a colaboração entre os saberes distintos, não sabem que a ciência não se constrói sem eventuais atropelos, sem a provocação dos que lhe colocam dúvidas e clamam por um sentido mais definido. Os que veem a universidade pública como um negócio são incapazes de ver o todo da obra e seu alcance. E apresentam a universidade como um projeto falido, porque consumiria muito e, com efeito, pede ainda mais recursos.

Senhoras e senhores, a universidade pública é o lugar da produção científica em nosso país. Ela é a fonte de tecnologia e inovação. Ela é também o lugar de reflexão sobre a sociedade e de representação de políticas públicas. Ela é o lugar de críticas, de criação, de arte e cultura. É critério para o que é qualidade acadêmica, sendo pautada por objetivos postos em comum pela sociedade e gerida com transparência e, vale enfatizar, conforme valores e princípios democráticos.

O parlamento brasileiro deve mostrar-se hoje como um poder especial para a conformação de uma opinião pública pautada no debate e na mais elevada exigência de dados científicos. Ele não pode ser inferior às redes sociais, e não pode servir-se de dados desprovidos da devida evidência empírica e da mais precisa consistência científica. Nesse sentido, também para fazer valer seu papel perante a sociedade, o parlamento deve ver o perigo presente nas atuais ameaças à universidade. Com tais ameaças, correm perigo os valores, os princípios e os fundamentos que lhe servem, dia a dia, para fazer de
nossa sociedade uma nação altiva, livre, autônoma, na qual o bem estar social garanta a todos o exercício mais livre da cidadania. E, enfim, parlamento e universidade têm um laço íntimo no aspecto de que, em ambas as instituições, a palavra deve preceder outras formas de poder, valendo em ambas sobretudo a razão e não a força.

A ciência brasileira, que é feita sobretudo na universidade pública, divulga mal seus resultados. Continua seu trabalho, como se fosse pacífico seu valor e inconteste a necessidade de mais e mais investimentos. Não é de estranhar que seus resultados sejam confrontados por dirigentes mal formados ou apressados, de modo que suas opiniões passam a ter força de conhecimento, e que se permitam, por razões exteriores ao trabalho científico, destruir a arquitetura construída em décadas para a atividade científica em nosso país.

Temos todos, porém, cada qual em seu papel, uma obrigação de estado com a ciência e a cultura brasileiras. Essa obrigação se expressa em diversos documentos. Entretanto, quero resgatar seu expressão em um desses documentos, que é o Código de Ética do Servidor Público. É um documento esquecido e que precisa ser resgatado, pois nos lembra a todos o dever do decoro, da urbanidade e a precedência do bem comum em nossas metas. Esse Código enfatiza ainda que nos é vedado deixar de levar em conta os avanços técnicos e científicos em nossa atividade. Ora, isso só pode traduzir-se em um conjunto de deveres com a pesquisa científica e com as evidências empíricas que devem embasar decisões de política pública, imediatas ou de longo prazo. Enfim, isso tudo implica compromisso inegociável com a ciência brasileira e, de modo bastante profundo, com a universidade pública, na qual ela encontra sua casa e seu critério.

A universidade pública não está falida. Falida estará a sociedade brasileira, se renunciar à autonomia científica em favor de uma subordinação a interesses estrangeiros, se optar pela discriminação e não pela colaboração científica, cultural, acadêmica, se renunciar enfim às condições de procura e de produção da verdade. Repito. A universidade pública brasileira não é um projeto falido. Falida estará sim a sociedade que prefira a ignorância ao conhecimento, que renuncie à ciência e à cultura em favor do preconceito e do obscurantismo.

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