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Reação Conservadora e Mea Culpa

Do GGN, 5 de Outubro 2018
Por Fernando Nogueira da Costa


O viés heurístico da auto atribuição por parte dos seres humanos tende a atribuir o sucesso a si próprio e o fracasso ao outro. Quem é o outro? Alguém diferente. Vem a calhar para preencher
o papel de algoz em contraponto à vitimização do infeliz sofredor supostamente por erro do outro.

Quando o outro é um partido, isto é, uma parte da sociedade antagônica ao pensamento do sujeito, este, caso seja católico, cobra até de ateu, paradoxalmente, permanecer em um eterno purgatório. Nele se encontram “os outros”: mesmo mortos, não corrigiram seus erros completamente. Precisam expiar seus pecados através do sofrimento antes de entrarem no paraíso celeste. Comercialmente, esses sofrimentos podem ser evitados pelo oferecimento de missas e preces.
No debate público-eleitoral, muitas vezes o argumento de petistas é desvalorizado por seus adversários não por seu mérito, mas somente por causa da origem da pessoa a expressá-lo. Esse raciocínio apriorístico corresponde a uma Falácia Genética porque há um apego emocional negativo quanto ao emissor da ideia por mais racional seja ela.

Bode expiatório é uma expressão usada para designar uma pessoa (ou um partido) sobre a(o) qual recaem as culpas alheias. É usada também quando alguém, inclusive um grupo de simpatizantes partidários, é acusado de um delito não cometido e nem idealizado por eles. Falácia do Espantalho é apresentar de forma caricata o argumento dessas pessoas, com o objetivo de atacar essa falsa ideia em vez do argumento em si. Acusam, por exemplo, “os petistas são bolivarianos e querem a Venezuela ser aqui”!

Expiação é o ato ou efeito de expiar por meio de castigo, penitência, preces para aplacar a divindade. A expressão “bode expiatório” é usada quando alguém leva sozinho a culpa de um infortúnio. Como relata a Bíblia, no dia da expiação, cumpria-se um ritual para purificação de toda nação de Israel. Para a cerimônia, eram levados dois bodes: um deles era sacrificado e o outro, o bode expiatório, era tocado na cabeça, pelo sacerdote. Este confessava todos os pecados dos israelitas e depois enviava o bode para o deserto, onde todos os pecados eram aniquilados pelo isolamento. Querem isolar o PT.

É curiosa a cobrança furibunda de jornalistas “ao PT” para fazer a mea culpa. A quem?! O PT possui 1.584.457 filiados. Cerca de 29% do eleitorado expressa preferência partidária por ele. A mídia conservadora pratica a Culpa por Associação: desacredita uma ideia ao associá-la a um indivíduo (Lula ou Dilma) ou grupo malvisto em determinada rede social, no caso, a dos não simpatizantes do PT. Foram inoculados com o vírus de um pensamento preconceituoso e ódio, durante uma longa campanha antipetista, sem se vacinarem com uma reflexão destinada a impedir a contaminação.

Mais triste ainda é quando a própria gente autodenominada de esquerda cobra aos companheiros petistas uma autocrítica para disputar e vencer mais uma eleição. Com espírito similar de imputação a outros o próprio problema – não ter um partido de massa para chamar de seu –, em uma postura estalinista, “a autocrítica é um método bolchevique de treinar as forças do Partido e da classe operária em geral no espírito do desenvolvimento revolucionário”. Epa! Isso já era!

Fenômeno correspondente de “mea culpa” foi expresso por excesso de cautela ou espírito de submissão ao “bom comportamento” exigido pelos conservadores quanto ao movimento massivo do #elenão. Teve articulista dito de esquerda culpando-o pela subida na pesquisa eleitoral do candidato alvejado, aliás, esfaqueado.

Hipóteses diversas podem ser levantadas a respeito: voto útil da direita no candidato líder, já no primeiro turno, em função de outros candidatos se desmilinguirem, votos-de-cabresto de pobres mulheres puxados por pastores evangélicos, reação de ricas mulheres despeitadas, isto é, aquelas com despeito pela liberdade de expor os seios de algumas manifestantes, criticadas com baixo calão pelo filho do “coiso”, etc. Não se deve abandonar a estratégia: a pauta identitária incomoda até mais aos conservadores em costumes sociais. Em função do incômodo dos adversários não se recua nas lutas progressistas. A luta libertária continua nas diferentes frentes!

Mulheres constituem a maioria do eleitorado, mas politicamente ainda não pensam uniformemente, assim como os homens, por isso, a pauta feminista parece ser minoritária. Se for somada às de outros movimentos sociais progressistas – sindicalista, antirracista, LGBT, ambientalista, contra o xenofobismo, etc. –, serão capazes de mudar as antigas estruturas da sociedade.

No Brasil e no mundo há uma escalada conservadora na tentativa de neutralizar as forças disruptivas da velha ordem. Em função da crise econômica mundial, os movimentos de ruptura se aguçaram e misturaram as pautas em defesa de liberdade plena em Estado de Direito laico e da retomada do crescimento da renda e emprego. Trocam a obediência cega às leis religiosas pelos questionamentos da ciência à luz da razão. Com a revolução digital, o compartilhamento social amplia as trocas de experiências e as possibilidades de lutas libertárias.

O questionamento do pensamento binário macho ou fêmea, preto ou branco, rico ou pobre, entre outros falsos dilemas dicotômicos, quebra a estrutura mental conservadora e traz muita angústia. Movidos pelo medo e pela sensação de insegurança face a essa desestruturação, os reacionários se agarram ao conservadorismo na vã tentativa de retornar à dominância anterior.

Como diagnostica a psicanalista Maria Homem, “há tendência em recusar o presente considerado caótico, maluco, deturpado e corrupto, porque só tem ‘bandido, gay, música indecente’. É uma sensação psíquica de desamparo e medo, daí se almeja uma ordem imaginária”.

Saíram da tumba os velhos saudosistas da ditadura militar, divulgando um “imaginário social” sob a forma de um Éthos cultural da casta dos guerreiros-militares, onde os valores morais compartilhados são a violência, a coragem, a fama, a glória e a vingança contra “os inimigos” – em vez de adversários. Nega a legitimidade da existência de rivais partidários esquerdistas e dos críticos de costumes, enfim, dos dissidentes da ordem unida e totalitária sob a lógica militar.

Contra essa intolerância e discurso de ódio, a favor da autoexpressão e do multiculturalismo, o segundo turno eleitoral não será entre o antipetismo e o antiantipetismo, mas sim entre todos os democratas e os pregadores da regressão ao passado ditatorial e violento do regime militar.
Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.

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