por Fernando Nogueira da Costa
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) promoveu mudanças no sistema de registro de candidaturas na eleição deste ano, restringindo a transparência em relação ao patrimônio dos candidatos. Nas disputas anteriores, os políticos eram obrigados a listar seus bens de forma detalhada, com tipo, descrição e valor, permitindo comparações entre si e com as declarações anteriores.
Neste ano, por exemplo, Alckmin declarou ser dono de um patrimônio de cerca de R$ 1,4 milhão. Em 2014, quando disputou o governo de São Paulo, havia declarado um valor apenas R$ 11,8 mil mais baixo já corrigido pelo IPCA. Tem em seu nome um prédio comercial, um apartamento, uma casa, bens imóveis cujos valores de mercado atuais não são detalhados, duas terras nuas (idem), três aplicações VGBL no total de R$ 480,7 mil, outros R$ 33,8 mil em depósito em contas correntes no país, bens móveis, fundo de curto prazo, quotas ou quinhões de capital e ações. A declaração publicada em 2014 era mais detalhada e listava, por exemplo, cabeças de gado e ações da Petrobras.
Vice na chapa de Alckmin, a senadora Ana Amélia (PP) também apresentou requerimento de registro ao TSE. Ela declarou bens no valor total de R$ 5 milhões. O valor é R$ 1,9 milhão maior que o declarado em 2014, quando ela disputou o governo do Rio Grande do Sul. A senadora declarou cinco apartamentos, duas lojas, duas casas, terreno, terra nua, veículo, sete depósitos bancários no país, aplicações de renda fixa e VGBL, além de bens móveis. Esposa de um senador biônico, durante o regime militar, ela se notabilizou em sua defesa e, depois, em reação às conquistas sociais no campo.
Os pecuaristas inscritos no Cadastro de Contribuintes do ICMS (CCI) têm de fazer a Declaração do Resumo de Movimentação de Rebanho e Inventário de Gado. Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), a declaração é obrigatória. Caso o pecuarista não cumpra com sua obrigação estará sujeito a penalidades. Para declarar, o contribuinte precisa preencher um formulário online, no site da Sefaz, com todas as mudanças ocorridas no rebanho no ano anterior, incluindo as entradas, saídas e mudanças de era.
Devem ser discriminados todos os animais do estabelecimento ou de terceiros, inclusive sob o regime de pasto ou confinamento. Ao não declarar o pecuarista estará sujeito a multa no valor de apenas R$ 1.100,00, além de restrições de alguns serviços oferecidos pela Secretaria da Fazenda, como a emissão de nota fiscal avulsa e alteração no cadastro de contribuinte. É muito difícil fiscalizar uma boiada. Sempre há fraude nesse campo.
Lavar dinheiro com rebanhos e fazendas é uma operação facílima. É comum o uso de imóveis rurais como instrumento de lavagem de recursos financeiros de origem ilegal. Toda a documentação pode ser falsificada. Em escândalos políticos recentes, vários envolvidos tentaram explicar a origem de seus rendimentos com negócios de compra e venda de gado.
Não são raros os casos de agentes públicos suspeitos explicarem a origem de seus bens com transações na área rural. Não se trata de falsidade material, mas ideológica. É possível obter junto às repartições públicas boa parte da documentação necessária e simular negociações inexistentes ou só existem parcialmente. Chama-se de “vaca de papel”, “soja de papel”, etc.
O proprietário declara ter tanto de gado ou tanto de produto, faz a inscrição no órgão competente, obtém o talonário de notas fiscais, compra vacinas, simula a venda e paga o imposto. No ramo agropecuário, o controle pelo Estado de processos de lavagem na zona rural é mais difícil. São muitos contribuintes com renda obtida na atividade rural e pouca estrutura para fiscalizar.
A documentação é considerada imprescindível para transações dentro da lei, pois atestam o cumprimento das exigências sanitárias, garantindo preço e acesso da carne ao mercado formal. Com registros do estabelecimento, de procedência do gado, nota fiscal, recibos e comprovantes sanitários em mãos é possível até obter a desejada Guia de Transporte Animal (GTA).
O uso de fazendas para “esquentar” rendimentos “frios” é frequente por causa da tributação diferenciada dada ao setor agropecuário. Pela lei, somente 20% da receita originária de atividades rurais estão sujeitos ao pagamento de Imposto de Renda. Para assalariados, a tributação alcança quase todos os rendimentos.
Sai barato, portanto, lavar dinheiro no ramo agropecuário, especialmente quando o contribuinte é pessoa física. Muitas vezes, a transação com gado até existe, mas o fraudador subfatura custos, com o objetivo de ampliar artificialmente os lucros. Assim, abre espaço para “esquentar” rendimentos sem origem declarada. Há casos de toda a transação ser fictícia, com documentos obtidos a partir de furtos, falsificação ou da conivência de frigoríficos.
Um pecuarista ao comercializar seu gado de um Estado para outro está sujeito à tributação. Agora, se ele comercializa direto com um frigorífico, quem arca com o imposto é o frigorífico. Muitas vezes este recebe isenção fiscal, como no caso dele ser exportador. De forma geral, em média, somente 5% do faturamento bruto do produtor é destinado à carga tributária.
Os ruralistas justificam a sonegação com a contumaz retórica conservadora: “apesar da grande arrecadação, o governo não consegue oferecer as contrapartidas esperadas pelo contribuinte”. No caso do setor agrícola, a melhoria de estradas, portos e toda a infra- estrutura seria necessária para um país com a produção agrícola do Brasil. Um exemplo disso é o frete. Ele tem seu preço encarecido em boa parte devido ao mau estado de conservação das estradas ou aos pedágios instalados nas rodovias geridas pela iniciativa privada, ou seja, acaba-se pagando duas vezes pelo mesmo serviço.
Além de reclamar de muitos impostos embutidos nos insumos e isso sobrecarregar o agronegócio, a bancada ruralista defende a renegociação de impostos sobre dívidas, senão o calote das próprias dívidas. Os pecuaristas dizem sofrer com o custo do transporte, supostamente bi tributado por causa dos pedágios e IPVA, e quando há transporte de animais de um estado para outro. Somado aos tributos pagos pelos frigoríficos, reclamam o agronegócio pagar mais de uma vez pelo mesmo produto.
Existem 373 processos na Justiça contra os 178 parlamentares, um terço da Câmara de 513 deputados. Desses deputados federais em ações penais ou inquéritos, 68 (38,2%) são integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O site De Olho nos Ruralistas (https://deolhonosruralistas.com.br) fez esse recorte de dados a partir de levantamento elaborado em maio de 2018 pelo site Congresso em Foco. Este utilizou informações do Supremo Tribunal Federal (STF).
Esses integrantes da bancada do agronegócio respondem por 152 (38,2%) dos processos. A Frente Parlamentar da Agropecuária possui, segundo o site da organização, 228 deputados filiados – um número que costuma ser bastante flexível. Quase um terço do total (68 parlamentares, 29,82% do total de membros) responde a inquéritos ou ações penais. Mas o número de deputados ruralistas sob processos vai além desse subtotal. Nem todo parlamentar fazendeiro – ou de família latifundiária, dono de empresa agropecuária, defensor sistemático do agronegócio – faz parte da FPA. O observatório levantou outros sete casos. Somente com esses sete parlamentares – e há outros – o número de ruralistas na lista dos denunciados chega a 75, ou 43,36% do total.
Um dos exemplos desses parlamentares “sem FPA” é o do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL- RJ). Ele tem forte atuação contra os camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e defende restrições para terras indígenas e quilombolas.
Segundo o relatório Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural, publicado pela Oxfam, dados da PGFN mostram 4.013 pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra deverem R$ 906 bilhões, uma dívida acima do PIB de 26 estados. Cada um desses devedores tem dívidas acima de R$ 50 milhões. Segundo dados do INCRA, há um grupo ainda mais seleto de 729 proprietários. Eles declararam possuir 4.057 imóveis rurais, somando uma dívida de R$ 200 bilhões. As terras pertencentes a esse grupo abrangem mais de 6,5 milhões de hectares, segundo informações cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR).
Em vez de cobrar os débitos, porém, o governo temeroso editou a Medida Provisória nº 733, concedendo mais privilégios ao permitir os ruralistas liquidarem saldo devedor com bônus entre 60% a 95%. São exemplos da importância da bancada ruralista em defesa de benefícios algumas das medidas (ou das inoperâncias) do governo Temer: nenhuma homologação de Terras Indígenas; paralisação da demarcação de territórios quilombolas; Lei da Grilagem; redução e parcelamento das dívidas dos ruralistas; MP elaborada com a participação direta do setor do agronegócio para alterar a lei sobre agrotóxicos; preparo da venda de terras para estrangeiros.
Apesar da progressividade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), em relação ao tamanho e utilização do terreno, sua cobrança é responsável por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014, porcentual médio constatado desde os anos 1990. Os grandes e médios proprietários pagavam o principal tributo no meio rural brasileiro, em média, R$ 1,52 por hectare em 2010, segundo os dados das áreas totais cadastradas no SNCR. Entendeu a importância dada à eleição da maior bancada, a “do boi”?
Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
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