Por Fernando J.
Comentário ao post "Comando Vermelho já teria assassinado suspeitos de estupro"
"44 é pedra famosa nos jogos de bingo e quase sempre vem precedida da locução "Justiça de Mato Grosso", numa notória referência ao calibre da carabina que era companheira indissociável dos pantaneiros e de quantos se aventuravam pelos sertões."
Três historinhas ocorridas no Centro-Oeste, em ordem cronológica dos fatos:
1. Final dos anos 70. Uma família estimada por todos, a mãe viúva e duas filhas, o marido havia sido querido e respeitado funcionário público, prematuramente falecido. A filha mais nova, além da beleza estonteante, possui um jeito especial de lidar com crianças, e por isso complementa o orçamento da casa dando aulas particulares de reforço. Entre seus clientes, os filhos do temido Rei da Fronteira, um brasileiro de família tradicional do Estado, que morava do lado paraguaio, porque havia vários mandados de prisão contra ele (está vivo até hoje, o juiz federal Odilon que o diga).
Começa a namorar um fazendeiro forasteiro, naqueles tempos de abertura da mais nova fronteira agrícola do País. Até que um dia engravida. Ora, naqueles tempos isso queria dizer casar, “reparar o erro”, como se dizia. Aperta daqui, aperta de lá, o forasteiro diz que não pode casar, pois já era casado lá na sua cidade de origem, na região Sul, e muito menos assumir o filho.
O caso chegou imediatamente aos ouvidos do Rei da Fronteira, que mandou os jagunços trazerem a professora dos seus filhos, por quem tem admiração, respeito e amizade, à sua presença. Pergunta de que jeito quer que mate o forasteiro. Ela implora praticamente de joelhos para que não mate o pai do seu filho. Muito a contragosto, concorda. Assim que ela sai, ordena aos jagunços para que localizem e tragam o incauto forasteiro, que desconhecia os “métodos mato-grossenses de justiça”. Recomenda apenas para que tragam-no vivo, o espancamento seria uma “cortesia da casa”.
Os jagunços entregam para o chefe o forasteiro, vivo, porém bastante estragado. O Rei da Fronteira foi sucinto e objetivo: “Vc está vivo porque eu prometi à mãe do seu filho que não te mataria. Quero vc fora da MINHA cidade e do MEU Estado no prazo máximo de 24 horas. Após esse prazo, se vc ainda estiver no MEU Estado, meus homens vão te pegar, onde quer que vc se esconda. E tem mais, eu vou te matar, mas antes vc vai pedir para morrer.”
2. Entre 84 e 85, duas cidades mato-grossenses separadas por um rio, distantes uma da outra por apenas 4 km. Chega um pastor evangélico novo na cidade do lado de lá no rio. Ele abre conta no Banco do Brasil do lado de cá do rio, por um motivo simples, o subgerente da agência era da mesma igreja. O pastor vai quase todo dia ao Banco confabular com o “irmão”, é um tal de um abençoar o outro e louvarem a Deus que não tem mais fim. Lá do caixa, observo a pajelança.
Um dia, uma manhã qualquer, chego para trabalhar e está o maior alvoroço na agência, tinha acontecido alguma coisa durante a noite/madrugada, haviam sequestrado o pastor galã. Até que a história e os motivos são revelados. O pastorzinho não resistira aos encantos de uma ovelhinha menor de idade e virgem do seu rebanho, parece-me que abaixo de 16 anos, e a imolara em sacrifício.
Bom, o pai, parentes e amigos não gostaram nada daquilo. Naquela noite, bateram na porta da casa do pastor, potentes caminhonetes com o motor ligado. Assim que ele abriu a porta, juntaram-no e, às porradas, jogaram na caçamba do carro, onde o tratamento continuou, até chegarem no meio do mato. Lá, após o tradicional tratamento cortesia da casa, caparam o pastorzinho galã, com aquele instrumento de castrar bois.
Findo o serviço, jogaram o agora eunuco pastor de volta na caçamba, e num gesto altamente humanitário arremessaram a carga aos chutes para fora da caminhonete exatamente na porta do precário e único hospital local, com um último aviso: “queremos você fora do NOSSO Estado”.
Na época, era recém-casado, minha atual ex-mulher é médica, na hora do almoço (não havia telefone na cidade) cheguei em casa e perguntei a ela como tinha sido o serviço. Um colega dela, que tinha atendido o pastor, relatara que o serviço tinha sido altamente profissional, serviço completo, pênis e saco para o saco, não sobrara nada, não havia o que fazer. Apenas estancaram o sangramento, puseram numa ambulância e despacharam para Campo Grande.
3. Final dos 80, uma cidade qualquer do sudoeste goiano – Impossível achar uma única pessoa na cidade de pouco mais de 60 mil habitantes que não gostasse do “Geada”. Pecuarista, na casa dos 40, ou pouco menos, solteiro, afável, uma educação e modos que contrastavam com o padrão local. Não éramos amigos, mas dividimos a mesma mesa do boteco muitas vezes. Quieto, falava pouco, não incomodava ninguém, pessoa irrepreensível, sempre pronto a ajudar os amigos.
O apelido “Geada” fora dado pelos amigos, por causa de uma característica curiosa, o cocoruto da cabeça era precocemente branco para a idade, e do topo para baixo, os cabelos eram completamente escuros. A explicação, segundo os amigos, era que havia caído uma geada muito forte, embranquecera o topo da cabeça porque ele estava sem chapéu. E assim ficou o Geada.
Um dia, o Geada estava voltando da fazenda, na estrada uma mulher deu sinal pedindo carona. O Geada, como era típico da sua personalidade prestativa, parou e deu carona. Pouco mais a frente ela pediu para parar e encostar. Encostou, detrás de uma touceira de capim saem dois comparsas, renderam e pouco mais a frente mataram o Geada, desovando o corpo numa ribanceira, e levaram a picape.
Choque, comoção na cidade, revolta, perplexidade e tristeza. Para encurtar a história, poucos dias depois acharam a pista dos assassinos, e puseram as mãos no bando. Ficaram presos na delegacia local.
Uma tarde, muitas semanas depois da prisão, estávamos no mesmo bar que o Geada frequentava, eu, um colega do Banco e um comerciante local antigo e tradicional. O colega pergunta ao comerciante: “Escuta, fulano, como está o caso dos assassinos do Geada? Nunca mais fiquei sabendo de nada”. “Está resolvido, ele responde”. “Como assim, não estou sabendo, já foram julgados, condenados...?”. Ele insiste: “Já resolveram”. Pressionado, conta tudo, a título de segredo, mas que toda cidade já sabia, mas praticava o chamado pacto de silêncio.
Uma noite de domingo para segunda, tipo duas da manhã, quando não há ninguém nas ruas, os amigos do Geada estacionaram na porta da delegacia suas potentes e reluzentes caminhonetes, desceram fortemente armados e foram acordar o plantonista, na mais completa calma e tranquilidade. O diálogo foi curto: “Você sabe quem nós queremos.” O carcereiro imediatamente pegou as chaves, foi até as celas e “libertou” os três assassinos.
“Já está tudo resolvido, disse o comerciante. E quanto menos se falar sobre isso, melhor.”
No dia seguinte, o delegado pegou o processo, carimbou CASO ENCERRADO, e mandou os documentos para o arquivo “morto”.
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