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Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.thomaz.wood@fgv.br |
Mudanças das últimas décadas transformaram muitas profissões em atividades comerciais, nas quais os indivíduos devem vender serviços a si mesmos, todo o tempo.
Em uma manhã de julho, Ashish Awasthi, um indiano de 27 anos, casado, pai de dois filhos, pegou sua moto, dirigiu até uma distante linha ferroviária e jogou-se na frente de um trem. Deixou em seu bolso uma nota, na qual explicava a razão de seu suicídio: não conseguia atingir as metas de desempenho definidas por seu gerente.
Awasthi era representante de vendas do laboratório farmacêutico Abbott, multinacional norte-americana fundada em 1828, presente em 150 países, com 74 mil funcionários e vendas superiores a 20 bilhões de dólares por ano, uma empresa frequentemente listada noranking das mais admiradas. No Brasil, uma de suas iniciativas tem o slogan “abrace a vida”.
Em matéria publicada em 11 de agosto pelo New York Times, Geeta Anand e Frederik Joelving contam a história de Awasthi e explicam o contexto indiano de negócios. Segundo os jornalistas, a Índia, como outros países em desenvolvimento, tem um mercado promissor, caótico e competitivo. O contexto transforma posições como a que Awasthi ocupava em alvo de enorme interesse e gera desespero entre os que a conseguiram e correm o risco de perdê-la. Nesse ambiente, muitos gerentes induzem seus liderados a vender a qualquer custo.
No centro da controvérsia que envolveu a morte de Awasthi encontram-se os health camps, eventos usados como ferramentas de vendas. Para a Abbott e outras empresas, trata-se de uma atividade de responsabilidade social corporativa, visando o bem comum. Tais eventos, patrocinados por laboratórios farmacêuticos, focam doenças crônicas. Equipes de vendas fazem testes gratuitos, enquanto médicos oferecem diagnósticos também gratuitos. Em troca, espera-se que esses médicos passem a prescrever as drogas produzidas pelo patrocinador. Críticos condenam veementemente tais práticas, por estimular diagnósticos errados e tratamentos desnecessários.
A pressão por vendas gera comportamentos extremos: um ex-representante de vendas, ouvido pelo New York Times, declarou ter se sentido tão pressionado por suas metas, que pagou propina a um médico com seu próprio dinheiro para que este prescrevesse as drogas do laboratório.
Awasthi conseguiu seu emprego na Abbott em 2013. Progrediu rapidamente e ganhou um prêmio de vendas em 2015. A família começou a colher os frutos da prosperidade: novos amigos, vida social, um carro e um apartamento. Com o consumo, vieram as dívidas. Em junho de 2016, um novo gerente de vendas assumiu a área de Awasthi e as metas de vendas ficaram ainda mais agressivas.
A aceleração do ritmo de trabalho, a condição de permanente tensão e a busca por resultados a qualquer custo criaram um ambiente propício para patologias (ANPr/ SINDIAVIPAR)
A viúva de Awasthi recebeu da Abbott um cheque de valor equivalente a 5 mil dólares pela morte do marido. Não o aceitou. Cerca de 250 colegas do indiano, sensibilizados por seu ato extremo, realizaram uma paralisação de um dia para protestar contra as agressivas políticas de vendas da empresa.
Maria Ester de Freitas, professora da FGV-Eaesp, analisando a questão dos suicídios nas organizações em um ensaio científico publicado há alguns anos, observou que no Brasil os casos de suicídio relacionados a condições de trabalho são tratados como “meros casos administrativos” e envoltos em um manto de silêncio.
A especialista explica que o trabalho é mais do que simples atividade remunerada; ele tem um papel social de destaque, pois permite a construção de vínculos e o desenvolvimento da identidade pessoal, social e profissional, além de fortalecer a autoestima. Ocorre que as mudanças das últimas décadas transformaram muitas profissões em atividades comerciais, nas quais os indivíduos devem vender produtos, serviços e a si mesmos, todo o tempo. As metas tornaram-se mais agressivas e os chefes estão cada vez mais insatisfeitos.
A aceleração do ritmo de trabalho, a condição de permanente tensão, a busca por resultados a qualquer custo, a ruptura dos relacionamentos e o fim da solidariedade criaram um ambiente propício para patologias. Pressionados pelo aumento do desempenho, empresas e profissionais passam a caminhar por uma linha tênue e mal definida, que separa boas práticas de comportamentos não éticos, a dedicação virtuosa ao trabalho da submissão irrefletida a condições sub-humanas. O elefante está na sala. Só não o vê quem não quer.
A viúva de Awasthi recebeu da Abbott um cheque de valor equivalente a 5 mil dólares pela morte do marido. Não o aceitou. Cerca de 250 colegas do indiano, sensibilizados por seu ato extremo, realizaram uma paralisação de um dia para protestar contra as agressivas políticas de vendas da empresa.
Maria Ester de Freitas, professora da FGV-Eaesp, analisando a questão dos suicídios nas organizações em um ensaio científico publicado há alguns anos, observou que no Brasil os casos de suicídio relacionados a condições de trabalho são tratados como “meros casos administrativos” e envoltos em um manto de silêncio.
A especialista explica que o trabalho é mais do que simples atividade remunerada; ele tem um papel social de destaque, pois permite a construção de vínculos e o desenvolvimento da identidade pessoal, social e profissional, além de fortalecer a autoestima. Ocorre que as mudanças das últimas décadas transformaram muitas profissões em atividades comerciais, nas quais os indivíduos devem vender produtos, serviços e a si mesmos, todo o tempo. As metas tornaram-se mais agressivas e os chefes estão cada vez mais insatisfeitos.
A aceleração do ritmo de trabalho, a condição de permanente tensão, a busca por resultados a qualquer custo, a ruptura dos relacionamentos e o fim da solidariedade criaram um ambiente propício para patologias. Pressionados pelo aumento do desempenho, empresas e profissionais passam a caminhar por uma linha tênue e mal definida, que separa boas práticas de comportamentos não éticos, a dedicação virtuosa ao trabalho da submissão irrefletida a condições sub-humanas. O elefante está na sala. Só não o vê quem não quer.
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