Da Carta Maior, 3 de Agosto, 2016
Por Yanis Varoufakis
ATENAS – A política nas economias avançadas do Ocidente está passando por um estremecimento político não visto desde 1930. A Grande Deflação que agora está arrebatando os dois lados do Atlântico está revivendo forças políticas que estavam dormentes desde o final da 2a Guerra Mundial. A paixão está voltando para a política, mas não do jeito que esperávamos.
A direita se animou com um fervor anti-establishment que era, até recentemente, uma proteção da esquerda. Nos Estados Unidos, Donald Trump, o candidato presidencial dos Republicanos, está desafiando sua oponente Democrata, Hillary Clinton, por seus laços com Wall Street, pela vontade de invadir terras estrangeiras e prontidão em abraçar acordos de livre-comércio que têm prejudicado o padrão de vida de milhões de trabalhadores. No Reino Unido, o Brexit colocou Thatcheristas ardorosos no papel de defensores entusiastas do Serviço Nacional de Saúde.
Essa mudança não é sem precedentes. A direita populista tradicionalmente adotou retóricas quase de esquerda em tempos de deflação. Qualquer um que possa aguentar revisitar os discursos de líderes fascistas e nazistas dos anos 1920 e 1930 irá encontrar apelos – os louvores de Benito Mussolini à seguridade social ou as críticas de Joseph Goebbels ao setor financeiro – que parecem, em uma primeira lida, indissociáveis de objetivos progressistas.
O que estamos experienciando hoje é a repercussão natural da implosão de políticas centristas, devido a uma crise do capitalismo global na qual uma quebra financeira levou a uma Grande Recessão e então à Grande Deflação de atualmente. A direita está simplesmente repetindo seu velho truque de se aproveitar da raiva e frustração das vítimas para avançar com sua agenda repugnante.
Tudo começou com a morte do sistema monetário internacional estabelecido em Bretton Woods em 1944, que forjou um consendo político pós-guerra baseado em uma economia “mista”, limites em desigualdade, e regulação financeira forte. Essa “era de ouro” terminou com o chamado choque de Nixon em 1971, quando a América do Norte perdeu os excedentes que, reciclados internacionalmente, mantinham o capitalismo global estável.
Notavelmente, a hegemonia norte-americana cresceu nessa segunda fase pós-guerra, em paralelo com seus déficits de comércio e orçamento. Mas para continuar financiando esses déficits, os banqueiros tinham que ser libertados de suas restrições do New Deal e de Bretton Woods. Somente então iriam encorajar e gerenciar os fluxos de capital interno necessários para financiar os déficits fiscal e da balança corrente norte-americanos.
A financialização da economia era o objetivo, o neoliberalismo era sua capa ideológica, o aumento das taxas de juros da era Paul Volcker do Federal Reserv eram seu gatilho, e o presidente Bill Clinton era o mais próximo desse pacto de Fausto. E o timing não poderia ter sido mais agradável: o colapso do império soviético e a abertura da China geraram uma aparição de mão-de-obra para o capitalismo global – um bilhão de trabalhadores a mais – que aumentaram os lucros e reprimiram o aumento do salário ao redor do Ocidente.
O resultado da financialização extrema foi uma desigualdade enorme e uma vulnerabilidade profunda. Mas ao menos a classe trabalhadora do Ocidente tinha acesso a empréstimos baratos e preços de moradia inflacionados para compensar o impacto dos salários estagnados e das transferências fiscais em declínio.
Então veio a bolha de 2008, que nos EUA e na Europa produziu um suprimento em excesso massivo de dinheiro e pessoas. Enquanto muitos perdiam seus empregos, casas, e esperanças, trilhões de dólares em poupanças ficaram rodando pelos centros financeiros do mundo desde então, em cima de mais trilhões despejados por bancos centrais desesperados ávidos em substituir o dinheiro tóxico de seus financiadores. Com companhias e atores institucionais muito assustados para investir na economia real, os preços das ações aumentaram, os 0.1% do topo não conseguem acreditar em sua sorte, e o resto está assistindo sem esperanças as uvas da indignação “cresceram pesadas para a colheita”.
E então, os grandes amontoados de humanidade na América do Norte e na Europa se tornaram muito endividados e caros para serem qualquer coisa senão descartados – e prontos para serem manipulados pela cultura do medo de Trump, pela xenofobia de Marine Le Pen líder do Front Nacional Francês, ou pela visão dos Brexiteros de uma Britânia comandando o cenário novamente. Enquanto seus números crescem, partidos políticos tradicionais estão caindo na irrelevância, suplantados pela emergência de dois novos blocos políticos.
Um bloco representa a velha troika da liberalização, globalização e financialização. Pode ainda estar no poder, mas seu estoque está se esgotando rápido, como podem atestar David Cameron, os democratas socialistsas da Europa, Hillary Clinton, a Comissão Européia, e até o governo da Grécia pós-capitulação, Syriza.
Trump, Le Pen, os Brexiteiros de direita da Grã-Bretanha, os governos liberais da Polônia e da Hungria, e o presidente russo Vladimir Putin estão formando o segundo bloco. O deles é uma internacional nacionalista – uma criatura clássica do período deflacionário – unido por desprezo à democracia liberal e à habilidade de mobilizar aqueles que a esmagariam.
O conflito entre esses dois blocos é real e enganoso. Clinton vs. Trump constitui uma batalha genuína, por exemplo, como é a União Européia vs. os Brexiteiros; mas os dois combatentes são cúmplices, não adversários, em perpetuar um looping interminável de fortalecimento mútuo, com cada lado definido pelo – e mobilizando seus apoiadores na base do – o que se opõe.
O único jeito para fora dessa armadilha política é um internacionalismo progressista, baseado em solidariedade entre as grandes maiorias ao redor do mundo que estão preparadas para reacender políticas democráticas em uma escala planetária. Se isso soa utópico, é válido enfatizar que a matéria prima já está disponível.
A “revolução política” de Bernie Sanders nos EUA, a liderança de Jeremy Corbyn do Partido dos Trabalhadores no Reino Unido, DiEm25 (Movimento Democracia na Europa) no continente: são os presságios de um movimento por uma internacional progressista que pode definir o terreno intelectual sobre o qual cada política democrática deve se construir. Mas estamos em um estágio inicial e enfrentamos uma reação negativa da troika global: o tratamento que teve Sanders pelo Comitê Nacional Democrata, a corrida contra Corbyn por um ex-farmacêutico lobista, e a tentativa de me condenarem por ousar enfrentar os planos da União Européia para a Grécia.
A Grande Deflação impõe uma grande questão: pode a humanidade produzir e implementar uma nova e avançada Bretton Woods “verde” - um sistema que torne o nosso planeta ecológica e economicamente sustentável – sem a dor em massa e destruição que precederam o Bretton Woods original?
Se nós – internacionalistas progressistas – não respondermos essa questão, quem irá? Nenhum dos dois blocos políticos que estão lutando pelo poder no Ocidente nem querem que isso seja posto.
Créditos da foto: Steven E. Purcell/ Brookings Institution
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