Nada menos que mil e setecentas produções foram inscritas no É Tudo Verdade deste ano.
Da Carta Maior, 10 de abril, 2016
Por Léa Maria Aarão Reis
Cada vez mais o filme documentário ocupa vazios da ficção cujos roteiros, em particular os do cinema americano, são, atualmente, produtos dos cruzamentos de diversos argumentos clássicos criados por grandes escritores durante a era de ouro das produções de Hollywood, e maquilados agora seguindo as tendências, em geral comerciais, do momento.
Para o crítico paulista Amir Labake, fundador e diretor do Festival É Tudo Verdade, o principal e mais antigo evento dedicado ao cinema documental na América Latina, e iniciado esta semana, no Rio e São Paulo*, “festival é espelho. Assim é esta 21ª. edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.”
“O estado do documentário é forte. A vitalidade estética do cinema do real jamais foi tão consensual. Nunca tantos o assistiram, debateram, produziram. Nem tudo são flores, nós sabemos, sobretudo do lado econômico. Mas o reposicionamento da produção documental na cena cultural contemporânea é um fato incontornável.”
Tem toda razão.%u228%u228
Dentre as várias produções nacionais e estrangeiras apresentadas este ano, um exemplo de objeto de reflexão e discussão urgente, por exemplo, é o filme da diretora carioca Emília Silveira, autora do festejado Setenta (2013), sobre a troca de combatentes da ditadura civil-militar por um embaixador europeu. Ela agora vem com Galeria F – mais uma história contundente da tragédia que se abateu sobre a população do país, durante 21 anos, submetida que foi à repressão da ditadura. Tragédia que, é importante repetir e repetir, paira, novamente como uma ameaça, sombra macabra neste momento, no país angustiado pela tentativa de assalto ao poder que cassará, em golpe de estado, 54 milhões de votos de cidadãos.
O filme de Emília conta a história de Theodomiro Romeiro dos Santos, ex-preso político condenado à morte que escapou da ditadura militar no Brasil. Com elementos de um road movie, a trama acompanha Theodomiro e seu filho mais velho em uma viagem que refaz sua fuga.
“Quem me contou a história foi a jornalista Margarida Autran. Ela conheceu alguns protagonistas dessa luta contra a ditadura, no passado, e, depois de assistir a uma sessão do Setenta, contou a história do Theo. Dali, fomos para a casa da Sandra Moreyra, minha sócia na produtora 70 Filmes, na época, e decidimos fazer o filme,” diz a diretora.
Theo vive hoje em Recife com a mulher, Virgínia, e a filha caçula, Camila. Tem mais três filhos - Guga, Bruno e Mário. Os dois primeiros nasceram quando ele se encontrava na prisão Lemos de Brito, em Salvador. É Bruno quem acompanha o pai na viagem que serviu de fio condutor do filme.Guga, pela primeira vez, entra em contato com a verdadeira história do pai.
Theodomiro Romeiro dos Santos começou a combater a ditadura aos 14 anos. Aos 18, foi capturado por agentes militares. Reage à prisão e mata um militar que tentava atingir um companheiro. Após sobreviver às torturas e cumprir nove anos de prisão, volta a ser ameaçado de morte e decide fugir.Galeria F refaz o caminho dessa fuga, 40 anos depois.
Emília diz: “Minha linha de trabalho está centrada na memória. Em trazer à luz personagens e histórias de um tempo de intolerância. Não tenho abordado temas factuais, mas acho que Galeria Ftem hoje uma função a mais: lembrar o que foi a ditadura militar no Brasil, e com isso, ajudar a evitar que aqueles fatos se repitam.”
Nada menos que mil e setecentas produções foram inscritas no É Tudo Verdade deste ano. Na Mostra de filmes estrangeiros de longa metragem, alguns destaques: 327 cadernos, de Andrés Di Tella (os diários do escritor argentino Ricardo Piglia). A glória de fazer cinema em Portugal, de Manuel Mozos. Gigante, de Zhao Liang, um monumental desastre ecológico na Mongólia, libelo contra o modelo de desenvolvimento predatório. A Visita, de Pippo Delbbono, com o excelente ator francês Michael Londsdale. A Paixão de JL, de Carlos Nader - com retrospectiva nesta edição do festival. Catástrofre, da russa Alina Rudnitskaya e o documentário chileno muito aguardado, Chicago Boys, sobre o modelo de economia ultra liberal adotado no governo do ditador Pinochet pelo grupo de economistas de Santiago oriundos do chamado ‘grupo de Chicago’.
Sob o sol é uma co-produção da Rússia, Coreia do Norte, Alemanha e República Tcheca. Vida ativa – o Espírito de Hannah Arendt vem de Israel/Canadá e Meu Avô Allende, do Chile. A diretora é Marcia Allende. Outras produções aguardadas: a cinebiografia de Celso Furtado, O Longo Amanhecer, de José Mariani e Imagens do Estado Novo 1937/45, de Eduardo Escorel.
Outros docs sobre o terrorismo na Europa, as migrações em massa de refugiados que fogem das guerras do Oriente e a programação completa de filmes documentários nacionais se encontram na página do certame. www.etudoverdade.com.br
E o trailer de Galeria F pode ser visto aqui. https://vimeo.com/157809108
*Galeria F é uma produção da 70 filmes, com diversos co-produtores entre eles Canal Brasil e Santo Guerreiro. Exibição em São Paulo nos dias 10 e 11 de abril, no Cine Arte, e no Rio de Janeiro, 12 e 13 de abril, no Espaço Itaú Botafogo.
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